NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO: Princípios

No âmbito do Direito Coletivo do Trabalho, a negociação coletiva é pautada em alguns princípios que buscam orientar esse tipo de composição entre as partes no conflito trabalhista. Propõe-se, através do presente artigo, apresentar os principais princípios referentes à negociação coletiva, de forma a explicitar sua importância para a aplicação prática do direito coletivo do trabalho.
1. PRINCÍPIO DA INESCUSABILIDADE NEGOCIAL
Inicia-se a apresentação principiológica através do mencionado princípio, que segundo Godinho2, é a determinação de que “as partes não podem se negar à tentativa de autocomposição, a qual é obrigatória até mesmo para que seja deflagrada uma greve ou proposto um dissídio coletivo”.
No contexto legal, a Consolidação das Leis do Trabalho o traz no seu artigo 616 que explicita:
Art. 616. Os Sindicatos representativos de categorias econômicas ou profissionais e as empresas, inclusive as que não tenham representação sindical, quando provocados, não podem recusar-se à negociação coletiva.
Desse modo, a inescusabilidade negocial surge como uma garantia de que as partes não poderão rejeitar a negociação coletiva no primeiro sinal. Portanto, ao ser provocada essa composição não pode nem o sindicato (de ambas as partes) nem as empresas se negar à busca da solução pacífica dos conflitos trabalhistas.
Destarte, o princípio elencado almeja que essas entidades procurem uma harmonização de interesses ao levantar argumentos, expor seus pontos de concordância e discordância como uma maneira de amenizar o conflito existente e se cultivar a colaboração nas relações trabalhistas. Existe a imposição do dever de negociar, mas não há obrigatoriedade quanto a uma solução que resulte em acordos ou convenções coletivas.
A Constituição Federal traz ainda no seu art. 114, §2º da CRFB/88, que:
Art. 114.Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:[...]
§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
Portanto, para o ajuizamento do dissídio coletivo tem-se como pré-requisito a negociação coletiva.
Outro ponto destacado por Godinho no início dessa exposição é a exigibilidade também dessa autocomposição para a deflagração das greves, conforme determina a Lei 7.783, artigo 3º, o qual versa que a cessação coletiva do trabalho apenas poderá ser deflagrada na hipótese de restar frustrada a negociação coletiva de trabalho.
Nessa segunda exigibilidade, destaca-se o pronunciamento do TST3:
GREVE ABUSIVIDADE AUSÊNCIA DE NEGOCIAÇÃO PRÉVIA E ILEGITIMIDADE DO SUSCITADO. Embora garantido constitucionalmente, o direito de greve não é absoluto, irrestrito e ilimitado. Ao contrário, deve observar os limites, pressupostos e requisitos legais para ser regularmente exercido. Constitui abuso desse direito a deflagração do movimento sem a observância das disposições contidas na Lei n° 7.783/89, como a comprovação do exaurimento de negociação prévia e autônoma para resolução do conflito e da deliberação da categoria sobre a greve. Recurso ordinário provido para declarar a abusividade da greve, desobrigando a empresa do pagamento dos dias de paralisação.
Por conseguinte, é possível visualizar que a exigibilidade do dever de negociar se mostra imprescindível no âmbito do direito coletivo de trabalho. Nesse viés, o princípio elencado mostra suas vertentes teóricas e a sua efetiva aplicação no contexto prático trabalhista existente no tempo hodierno.
2. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA COLETIVA
O princípio da autonomia coletiva está consagrado no art. 7°, incisos VI, XIII, XIV, XXVI e art. 8°, VI que dispõem sobre o reconhecimento dos acordos e convenções coletivas, estabelecendo a autonomia da vontade coletiva, uma vez que autoriza as partes a estabelecerem normas jurídicas específicas e adequadas ao ambiente de trabalho.
Esse princípio tem grande relação com o princípio da liberdade sindical, que ganhou força com a Constituição Federal de 1988, responsável por extinguir o sistema intervencionista e o forte controle político-administrativo do Estado sobre a estrutura dos sindicatos, promovendo, assim, maior atuação dessas entidades. É essa liberdade dos sindicatos que fundamenta a autonomia coletiva, sendo esta exercida através das negociações coletivas que resultam em convenções e acordos coletivos de trabalho.
Não se pode, no entanto, confundir a autonomia coletiva com a negociação coletiva, como ensina João de Lima Teixeira Filho4:
“A negociação coletiva de trabalho (...) é efeito decorrencial daquela (autonomia privada) e sua manifestação concreta. A autonomia privada coletiva é o poder social dos grupos representados autoregularem seus interesses gerais e abstratos, reconhecendo o Estado a eficácia plena dessa avença em relação a cada integrante dessa coletividade, a par ou apesar do regramento estatal – desde que não afronte norma típica de ordem pública”.
Dessa forma, a autonomia privada coletiva possibilita aos trabalhadores e empregadores o direito a negociação coletiva através de entidades sindicais, na busca de harmonizar os interesses de ambos, sem a necessidade de intervenção estatal que já não atendia às peculiaridades das relações trabalhistas. O sindicato tem plena liberdade para editar as normas estabelecendo, na maioria das vezes, normas que complementam as estabelecidas em lei e são aplicáveis às categorias envolvidas.
Sérgio Pinto Martins5, ao discorrer sobre o tema, aponta dois aspectos desse princípio: o objetivo e o subjetivo. O ponto de vista subjetivo seria a coletividade de pessoas que defendem um interesse em comum, enquanto que o aspecto objetivo é o próprio ordenamento sindical, diferenciado em relação a outras entidades de fato.
Maurício Godinho Delgado6 denomina a autonomia coletiva como Princípio da Criatividade Jurídica da Negociação Coletiva. Segundo o entendimento do autor, tal princípio é a própria justificativa de existência do Direito do Trabalho Coletivo e possibilita, através dos processos de negociação coletiva e seus instrumentos, a criação de normas jurídicas em harmonia com as normas criadas pelo Estado, desenvolvendo, assim, o princípio democrático da descentralização política.
Essa autonomia, embora ampla, não é irrestrita, pois o Estado impõe direitos mínimos a serem observados, indisponíveis do trabalhador. Não se admite a autonomia coletiva quando esta infligir norma de ordem pública e de ordem geral, como ocorre em relação a algumas matérias, por exemplo, os períodos de descanso, intervalos, segurança e medicina do trabalho, que visam resguardar a saúde e a integridade física do trabalhador no ambiente laboral.
3. PRINCÍPIO DA LEALDADE E TRANSPARÊNCIA
Como visto, as partes tem ampla liberdade para negociar entre si. Contudo, além de observar os limites legais, é necessário que a concretização da autonomia coletiva esteja pautada no dever geral de boa fé objetiva, que, no direito coletivo, é protegida pelo princípio da lealdade e transparência.
Esse princípio impõe às partes da negociação a prática de condutas que visam manter a igualdade de forças entre trabalhadores e empregadores, impedindo que o interesse de um se sobreponha em relação ao do outro. Assim, ambos devem agir com honestidade no decorrer da negociação coletiva, evitando ao máximo uma situação adversa, de insegurança e intranquilidade.
Todas as propostas e exigências devem ser pautadas de modo transparente. Isso significa dizer que é dever das partes não omitir qualquer aspecto relevante ao que está sendo discutido, e, da mesma forma, facilitar a difusão de informações acerca da lisura de suas práticas.
Nesse sentido, Maurício Godinho Delgado7 demonstra a imprescindibilidade desse princípio para a realização de acordos e convenções coletivas:
“É evidente que a responsabilidade social de se produzirem normas (e não meras cláusulas) conduz à necessidade de clareza quanto às condições subjetivas e objetivas envolvidas na negociação. Não se trata aqui de singela pactuação de negócio jurídico entre indivíduos, onde a privacidade prepondera; trata-se de negócio jurídico coletivo, no exercício da chamada autonomia privada coletiva, dirigida a produzir universos normativos regentes de importantes comunidades humanas. A transparência aqui reclamada é, sem dúvida, maior do que a que cerca negócios jurídicos estritamente individuais. Por isso aqui é mais largo o acesso a informações adequadas à formulação de normas compatíveis ao segmento social envolvido.” (Grifo nosso)
Uma decorrência desse princípio está disposta no art. 14 da Lei 7783/89, no que diz respeito à vedação da realização da greve durante a vigência da norma coletiva, salvo ocorrência de substancial alteração nas condições fáticas em que tais normas se aplicam. Esse dispositivo busca proteger aquilo que foi firmado entre as partes, garantindo a credibilidade do diploma.
4. PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA ATUAÇÃO SINDICAL
Há no Direito do Trabalho princípios que tratam da negociação propriamente ditas e outros que tratam da harmonização das relações entre as partes, como bem observado pelo professor Godinho Delgado.
O Princípio da obrigatoriedade está inserido no contexto de tais princípios, pois visa suavizar e equilibrar o poderio das partes, tratando-se de garantia constitucional dos trabalhadores, haja vista sua condição de menos favorecido em relação ao empregador. Este princípio é muito importante, pois vai acarretar na legitimação dos acordos firmados durante a negociação.
Essa atuação obrigatória da entidade sindical está definida no artigo 8, inciso VI da Constituição da República. A definição para o princípio da obrigatoriedade da atuação sindical já foi amplamente discutido pela doutrina, sendo que vários doutrinadores estabeleceram seu conceito.
Trazemos a definição do professor Góis, segundo o qual a o princípio da obrigatoriedade de atuação sindical implica, como sugere a denominação, na presença do sindicato nas negociações coletivas é obrigatória para que os acordos resultante de tais negociações produzam normas de efeito vinculante a todos os trabalhadores. Este princípio acaba por definir o que será enquadrado pelo Ordenamento Jurídico como negociação coletiva ou negociação individual, haja vista só se considerar norma coletiva aquela negociada pelas partes com a devida participação dos sindicatos das categorias envolvidas na negociação.
Se o sindicato não participa dos acordos, não há que se falar em negociação coletiva e consequentemente a norma resultante de tal negociação não poderia ser aplicada de forma coletiva, sendo apenas aplicável como cláusulas contratuais meramente individuais.
Como bem observado pelo professor James Magno, existe ainda certa polêmica quando se fala em atuação obrigatória da entidade sindical, no que se refere ao não comparecimento de entidade sindical que foi devidamente comunicada para participar das negociações coletivas, desrespeitando os preceitos legais e constitucionais.
A dúvida é se seria possível e legitima, nesta situação apresentada, a negociação feita pelos próprios trabalhadores. Se o acordo resultante das negociações feitas serias normas de efeito vinculante ou meramente contratuais individuais. A doutrina se divide quanto a este posicionamento, sendo que alguns doutrinadores entendem ser legitima a atuação dos trabalhadores se o sindicato não comparece tendo sido devidamente intimado. Outros entendem que os trabalhadores não possuem tal legitimidade para negociar coletivamente, pois a obrigatoriedade da atuação sindical em negociações coletivas é prerrogativa constitucional com vistas a proteção do trabalhador, sendo que este não poderá abdicar de tal proteção.
Este é o entendimento de Godinho Delgado, que entende que o dispositivo da CLT que autoriza a negociação coletiva pelo trabalhador em face do disposto na Carta Magna está implicitamente revogado. Esta atualmente é a posição mais adotada pela doutrina.
5. PRINCÍPIO DA PAZ SOCIAL
O princípio da paz social também se enquadra no tipo que trata da harmonização das relações entre as partes acordantes e se refere à manutenção da paz durante e após as negociações e, inclusive, na execução e no cumprimento dos acordos firmados.
A observância deste princípio é muito importante, pois o desrespeito a este preceito poderá ensejar em graves consequências tanto para trabalhadores como para empregadores e até mesmo para dirigentes de entidade sindical. Resultando muitas vezes em perda do emprego e penalidades administrativas e até mesmo penais. Isso poderá ocorrer devido ao clima de animosidade e interesses antagônicos durante a negociação coletiva. Haja vista ser muito comum, durante os períodos em que os acordantes ainda estão em discussão, ocorrer desentendimento entre patrões e empregados. Muitas pessoas, levadas pelo “calor do momento”, não conseguem se conter e acabam provocando tumultos e agressões tanto ficas quanto verbais, como injúria, calúnia e difamação.
Como bem assevera Góis, buscando respeitar este princípio, “as partes devem negociar sempre em clima de paz, buscando o entendimento e o diálogo. Devem, outrossim, evitar ameaças desnecessárias, tratar-se com respeito e se absterem de tecer comentários denigritórios uma da outra.”
Ressalta ainda, o referido autor, citando Rodrigues Pinto, que, “neste prisma, o princípio em voga funciona, segundo como um “fator de trégua dos interlocutores para a boa discussão de seu conflito”.
Dessa feita, concluímos que a função deste princípio não é outra se não a manutenção das boas relações entre as partes, conservando a paz e o bom clima de amizade e respeito. Além disso, seu desrespeito enseja a legitimação para a aplicação de penalidades para a parte inobservadora.
NOTAS:
[2] Curso de Direito do Trabalho / Maurício Godinho Delgado. – 5ª Ed. – São Paulo : Ltr, 2006.
[3] BRASIL. TST. RODC - 970000-69.2002.5.02.0900 Data de Julgamento: 08/08/2002, Relator Ministro: Rider de Brito, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DJ 27/09/2002.
[4] Instituições de Direito do Trabalho – vol. II”, São Paulo: LTr, 22ª edição, 2005, p. 1189.
[5] Direito do trabalho. 24ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 768.
[6] Curso de Direito do Trabalho / Maurício Godinho Delgado. – 3ª Ed. – São Paulo : Ltr, 2004, pgs. 1043,1044.
[7] Curso de Direito do Trabalho / Maurício Godinho Delgado. – 3ª Ed. – São Paulo : Ltr, 2004, p. 1043.
FONTE: VASCONCELOS, Roberta Silva; COSTA, Jeannine Teixeira et al. Negociação coletiva trabalhista: princípios gerais. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 20, n. 4231, 31 jan. 2015. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/30883>. Acesso em: 9 dez. 2016.

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