Conhecendo para se mobilizar 4: Como surgiu a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT?
Como
nos relata o saudoso ministro e jurista Arnaldo Sussekind, a idéia da CLT
foi obra do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, Alexandre Marcondes
Filho, nomeado em 2 de janeiro de 1942.
A
ideia inicial de Marcondes Filho era confeccionar uma Consolidação das Leis do
Trabalho e da Previdência Social, mas foi então advertido pelo Ministro Oscar
Saraiva, que os dois ramos do Direito – trabalhista e previdenciário – possuíam
princípios próprios e dissonantes entre si, já que a Previdência Social, que
nascera das entranhas do Direito do Trabalho, dele se dissociava aos poucos, a
par de já desfrutar de doutrina própria, com campo de atuação muito mais amplo que
o Direito do Trabalho.
O
Ministro Marcondes Filho retrocedeu em sua ideia original e criou uma
comissão especial para tratar da criação da CLT e que era composta de
insignes nomes, como os de Luiz Augusto do Rego, José Segadas Viana, Arnaldo
Sussekind e Oscar Saraiva.
Confidenciou
o Ministro Marcondes Filho à comissão especial que, conforme vontade de Getúlio
Vargas, a ideia primacial era de que a CLT deveria ter como objeto a tarefa
de harmonizar, em um só texto legislativo, as três distintas fases do Governo
Vargas iniciadas com a Revolução de 1930.
Ou
seja, a primeira fase abarcaria os anos de 1930 a 1934, conhecida com a
era dos decretos-legislativos; a segunda fase, de 1934 a 1937,
aproveitando o material legislativo do Congresso Nacional; e a terceira
fase, de 1937 até dezembro de 1941, que compreendia a era dos decretos-leis.
Desde
logo ficou muito claro que o projeto idealizado pela comissão não seria
simplesmente o amalgamento em texto único de todas as leis trabalhistas
surgidas nas três fases distintas do governo Vargas, ou seja, não seria apenas
a unificação e superposição ordenada de textos legislativos, eis que isso
retiraria a cientificidade e o estofo jurídico ordenador do projeto, que não
poderia apartar-se de seus princípios peculiares.
É
Arnaldo Sussekind, um dos artifices da CLT que explica porque o projeto não
poderia consistir em um simples amalgamento de leis trabalhistas.
Diz
o notável juslaborista em sua palestra proferida em 19 de novembro de 2003 no
Colendo TST, entitulada "Os 60 anos da CLT: uma visão crítica", que
"… desde logo a comissão mostrou ao Ministro do Trabalho que não seria
possível fazer um ordenamento sistematizado que não contivesse uma introdução
com definições e princípios para a aplicação de todo o texto.
Assim,
não seria possível, e.g., inserir na Consolidação a lei 62, de 1935, que dispôs
sobre a rescisão do contrato de trabalho, sem um longo capítulo sobre o
contrato de trabalho, porque, até então, os Tribunais, que ainda eram
Conselhos, aplicavam as normas do Código Civil sobre contrato de locação de
serviços.
Não
seria igualmente possível consolidar a legislação do salário mínimo sem um
capítulo sobre o salário, conceito de salário, elementos e afins e assim
sucessivamente.
E
continua o Ministro Sussekind em sua explanação : "… em matéria de
contrato coletivo, de inspeção do trabalho, de segurança e higiene do trabalho,
havia pouquíssimas leis, apenas princípios legais regulamentados por portarias.
Foi,
assim, autorizada a comissão a fazer um verdadeiro código, harmonizando não só
aquela legislação pretérita, mas também inovando o sistema.
E por que não o chamamos de Código e sim de
Consolidação?
Assim
o fizemos, enfatiza Sussekind, porque estávamos em plena segunda guerra
mundial.
Assim
como na primeira guerra mundial, o Tratado de Versailhes, em 1919, inovou o
Direito do Trabalho fixando os seus princípios, e criou a OIT, para sua
universalização, seria possível crer que, após a segunda guerra mundial que
estava em curso, novos princípios, novas diretrizes poderiam surgir com o
direito do trabalho, o que, contudo, não acabou acontecendo.
De que material se valeu a Comissão para criar a
CLT, ou seja, quais foram às fontes materiais e formais do novel Estatuto
Trabalhista?
É
ainda Sussekind que nos explicita que, em primeiro lugar, as mais importantes
fontes foram as resoluções do Primeiro Congresso Brasileiro de Direito
Social, realizado em São Paulo, em 1941, para comemorar o cinquentenário da
Encíclica Rerum Novarum. As conclusões desse Congresso foram a principal
fonte material da CLT.
Em
segundo lugar, enumera Sussekind as Convenções ratificadas e as não ratificadas
da OIT.
Em
terceiro lugar vem a Encíclica Rerum Novarum, que justificava a
intervenção do Estado em nome e em proveito da Justiça Social e tratava ainda
da matéria sindical, do trabalho das mulheres, dos menores, etc.
Finalmente,
como última fonte de inspiração para a elaboração da CLT vem os pareceres
dos consultores jurídicos do Ministério do Trabalho, Oliveira Vianna e depois
Oscar Saraiva, criando quase que um direito pretoriano.
A CLT foi aprovada
através do decreto-lei 5.452, de 1 de maio de 1943.
Igualmente
na era Vargas é idealizada nossa estrutura sindical, iniciando-se em 1931,
quando a lei dispõe sobre a unicidade sindical compulsória, com registro
obrigatório no Ministério do Trabalho.
A
CLT sofreu aos longos dos anos sucessivas atualizações, como era de se esperar,
porque como rege e deve reger o Direito do Trabalho no país, e como esse ramo
do Direito é essencialmente dinâmico, deve ele sim pautar-se pela conjuntura
socioeconômica e geopolítica de cada nação, como nos explica Sussekind.
Sucessivas
leis foram moldando a CLT através dos tempos e duas delas merecem destaque especial.
Em
1967, o decreto-lei 229 que procedeu à revisão de vários artigos da CLT
e um projeto de lei que criou, ao lado da convenção coletiva de trabalho, o
chamado acordo coletivo de empresa, que na visão de Sussekind,
descorporativou o contrato coletivo de trabalho porque acabou com o monopólio
do contrato coletivo da categoria e possibilitou o acordo coletivo firmado diretamente
entre o sindicato profissional e uma empresa, afastando-se a necessidade da
interferência sindical da categoria econômica.
Dez
anos mais tarde, em 1977, já no governo de Ernesto Geisel, foi
nomeada uma nova comissão interministerial presidida pelo Ministro Arnaldo
Sussekind e composta dos notáveis juslaboristas Délio Maranhão, Tostes
Malta, Hugo Gueiros Bernardes, Júlio César Leite, Chiarelli e Edmo Lima de
Marca, que reescreveu a CLT, aproximando-a de sua feição atual.
A
modificação idealizada pela comissão interministerial acabou sendo feita,
todavia, por capítulos, paulatinamente, porque temia-se que o projeto acabasse
sendo desfigurado pelo Congresso Nacional, assinala Sussekind.
A CLT atual constitui o
desenvolvimento de todo esse trabalho histórico, realizado ao longo dos anos,
por notáveis juristas e homens públicos que procuraram dotar o país de uma
legislação moderna, digna de figurar como uma das melhores no cenário jurídico
internacional.
A nossa CLT é sábia
porque procura compensar a superioridade econômica do patronato com a contrapartida
da superioridade jurídica do assalariado e é na exata dosagem
dessa sublime compensação que surgem altaneiros os princípios basilares do
Direito do Trabalho.
Dentre
eles,
a)
o princípio da proteção, que visa atenuar a desigualdade das partes em
juízo, como consagrado no artigo 468, da CLT;
b)
o princípio da norma mais favorável, que desprezando regras de
hierarquia legislativa, privilegia a norma que mais favoreça o trabalhador;
c)
o principio da imperatividade e da indisponibilidade dos direitos
trabalhistas, constantemente reafirmados nos julgados de nossos Tribunais
Especializados;
d)
o principio da inalterabilidade contratual lesiva, que abarca o
princípio da intangibilidade salarial, ressalvada a negociação coletiva;
e)
o principio da primazia da realidade, que descarta o rótulo frio
imprimido ao relacionamento jurídico para captar a existência do contrato de
trabalho nas entredobras de seu desdobramento fático, eviando-se fraudes e
aviltamento da situação do trabalhador e
f)
o princípio da continuidade da relação de emprego, que pressupõe injusta
a dispensa quando perpetrada unilateralmente pelo empregador, firmando a
suposição de que, de sã consciência, o trabalhador não vá privar-se por vontade
própria de sua fonte de sustento próprio e familiar.
Como
vivemos hoje a era da globalização, da informática, da cibernética e da
constante automação em face dos incontáveis avanços tecnológicos, tudo isso
aliado a uma competição internacional por mercados de consumo mais promissores,
novos ventos neoliberais tentam desconfigurar
ou mesmo aniquilar esta conquista histórica que é a CLT, quando se busca a todo
o custo substituir o legislado pelo negociado, como se nossa estrutura
sindical ou nossa economia fosse tão pujante como aquelas que imperam nos
países altamente desenvolvidos, onde os níveis salariais e as condições de vida
dos trabalhadores são infinitamente superiores.
O
Brasil está evoluindo paulatinamente, mas ainda estamos longe de competirmos em
situação de igualdade econômica com pujantes nações industrializadas do mundo.
A
CLT continua sendo a garantia de que o trabalhador brasileiro pode sim
desfrutar de condições de trabalho dignas, sem ter seus
direitos sociais indisponíveis atropelados pelos ventos neoliberais.
Toda
flexibilização que era possível fazer efetivamente já foi feita, inclusive no
corpo da Constituição Federal, ao possibilitar a redutibilidade salarial e o
aumento da jornada de trabalho, mediante negociação coletiva.
A
flexibilização sem peias pretendida pela política neoliberal não atende aos
interesses e direitos da classe trabalhadora brasileira,
antes se curva aos interesses econômicos dos fomentadores de capitais que não
vacilam entre ferir o mínimo ético social e garantir a expansão desmesurada de
seus mercados de consumo, meta que priorizam e procuram alcançar a qualquer
preço.
A constitucionalização
dos direitos sociais e o direito protetivo inserido na CLT continuam sendo o
bastião da esperança de melhores condições de trabalho para o operariado
brasileiro.
Dentro
dessa ótica mostra-se alvissareiro que a comemoração dos 70 anos da CLT esteja ocorrendo
no exato momento da merecida inserção dos trabalhadores domésticos no constitucionalismo
social, garantindo-lhes igualdade de direitos em face dos trabalhadores urbanos
e rurais, conquista recentemente alcançada com a tão comentada PEC das domésticas.
O novel
constitucionalismo prega a irreversibilidade das conquistas sociais dos trabalhadores,
sendo um de seus princípios a vedação do retrocesso a condições insatisfatórias
do trabalho humano, já que o labor digno e decente
constitui sim um dos pilares que sustentam a estabilidade e a perenidade da
República Federativa do Brasil.
Salve
a CLT.
Boa tarde, então já existe a possibilidade de pedir a redução da carga horária?
ResponderExcluirPoderia haver, pois o PCCS demonstra as tabelas dos vencimentos, nas diversas cargas horárias. No entanto, na EBSERH a concessão da redução da carga horária é algo imprevisível de se conseguir. A orientação é que seja negociado com a chefia do seu setor, dependendo do motivo exposto.
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