A luta contra a corrupção: a LAVA JATO e o futuro de um país marcado pela impunidade
O procurador da
República DELTAN DALLAGNOL, coordenador da força-tarefa da Lava Jato, em
entrevista ao G1, o procurador falou sobre o lançamento do livro
“A luta contra a corrupção: a Lava Jato
e o futuro de um país marcado pela impunidade” que, segundo ele, apresenta
uma perspectiva de quem atua dentro do sistema, em um país no qual apenas 3%
dos corruptos são efetivamente punidos.
1) G1: Além da Lava Jato, o livro cita casos de corrupção no
Brasil como o do Banestado, que teve poucas pessoas punidas. Quão perigosa é a
impunidade?
Deltan Dallagnol: Esse livro oferece uma perspectiva das
pessoas que atuam a partir de dentro do sistema e traz um pouco das nossas
frustrações, porque a luta contra a corrupção num sistema disfuncional é
ingrata. Nossos casos acabam, em geral, na impunidade. O livro traz várias
situações concretas, e um deles é o caso Banestado.
Nele, nós acusamos mais de 680 pessoas por crimes
graves e apenas pouco mais de 10 foram punidas até agora. Na maior parte dos
casos, eles tramitam nos escaninhos do Judiciário, nos labirintos do
Judiciário, rumo à prescrição, ou seja, rumo ao cancelamento em razão do
decurso do tempo. Em outras palavras, os casos demoraram tanto tempo para
acabar que as pessoas vão ficar sem nenhuma punição.
2) G1: No livro você fala que a Lava Jato é uma exceção na questão
da punição de políticos e poderosos. O que a força-tarefa trouxe de novo, que
possibilitou essa diferença em relação a outros casos?
Deltan: A Lava Jato ela é um ponto fora da curva
da impunidade. A regra no Brasil, infelizmente, é a impunidade dos corruptos e
corruptores, dos investigados poderosos. A Lava Jato apresentou uma série de
características que fez com que ela fosse diferente.
Várias
delas fruto de uma dedicação de agentes públicos e outras foram fatores
fortuitos, foram casos de sorte e coincidências. Dentro daquilo que foi
proposital, a Lava Jato desenvolveu um novo modelo de investigação calcado em
quatro pilares.
Em primeiro lugar, uma estratégia de fases. Às vezes a
gente brinca que a Lava Jato vai superar o “Candy Crush Saga” [um jogo virtual]
no número de fases. A gente já está chegando à 40ª fase e nós não vemos outras
operações com essa estratégia, agora que elas estão se desenvolvendo mais com
essa estratégia. E o que que ela tem de positivo? Ela faz com que todos os
órgãos que estão atuando na investigação – Receita, Ministério Público e
Polícia – foquem a partir do momento da fase das buscas e apreensões e prisões,
pelo período de 30 a 35 dias, na mesma coisa. Todos os objetos apreendidos são
analisados rapidamente, todo o material que existe disponível é escrutinado
para que se avalie o oferecimento de uma acusação criminal.
O segundo pilar é uma estratégia de colaboração, de
delação premiada. É feito um cerco probatório em relação a réus e se chega a um
ponto em que ele decide que a melhor opção de defesa é a colaboração. E quando
ele colabora com a investigação de um crime, ele revela não só o crime que a
gente já conhece, ele não só confirma, traz provas em relação ao crime que a
gente conhece, mas em relação a toda uma outra série de crimes. E isso permite
a expansão das investigações.
O terceiro pilar é o da cooperação. Cooperação interna,
entre os diferentes órgãos públicos, e internacional. Nós temos relacionamento
com um quinto dos países do mundo e 183 pedidos de colaboração recebidos ou
enviados.
Por fim, uma estratégia de comunicação social, em que nós
buscamos máxima transparência perante a sociedade. Com o primeiro website da
história brasileira sobre um caso criminal; com entrevistas coletivas para
apresentar as acusações; com um canal de comunicação constante com a sociedade.
Além desses fatores propositais, existiram uma série de
fatores fortuitos e de um amadurecimento institucional, com casos como o
Mensalão e o Banestado. Nós temos uma atuação firme e imparcial do Judiciário,
da primeira à última instância. Nós temos aquilo que nós chamamos de fator
Marcos Valério, que é o fato de que ele, no mensalão, foi condenado a cerca de
40 anos de prisão. Isso fez com que as pessoas da Lava Jato vissem a
possibilidade de punição e isso estimulasse elas a fazer a colaboração.
Existe uma série de outros fatores, a gente precisaria de
um longo tempo para conversar sobre todas as coincidências desse caso Lava Jato
que permitissem que ele acontecesse e ele fugisse da regra da impunidade.
Agora, o que nos preocupa é que a regra da impunidade
continua aí, nós precisamos mudar o sistema se nós queremos que outros casos
alcancem resultado também.
3) G1: A inspiração da Lava Jato é a Operação Mãos Limpas, na
Itália. O roteiro da Mãos Limpas mostra que, depois de um certo sucesso nas
investigações, houve uma reação dos políticos e a Itália voltou a enfrentar os
mesmos problemas 15 anos depois. O roteiro está muito parecido no Brasil?
Deltan: A Mãos Limpas e a Lava Jato têm muitas
semelhanças. E é sempre melhor nós aprendermos com os erros alheiros do que com
os próprios erros. O que nós vemos na Itália é que houve uma confiança
excessiva da sociedade sobre a Justiça, se acreditou que a Justiça poderia
resolver todos os nossos problemas.
E a mensagem central desse
livro é dizer nós precisamos ir além da Lava Jato. Não é o sistema da Justiça
que vai resolver todos os problemas. Ainda mais quando ele está funcionando
como um ponto fora da curva da impunidade. A impunidade continua lá. Se nós
queremos mudanças significativas, nós precisamos avançar para reformas no
sistema político e no sistema da Justiça Criminal, e isso não aconteceu na
Itália.
Pelo fato de que a Itália perdeu essa oportunidade de
reformas, o que aconteceu foi que o pêndulo que tinha se movido para a punição dos
corruptos, para um sistema mais limpo, voltou à situação original ou até ficou
pior do que era antes. E nós não queremos que isso aconteça no Brasil.
4) G1: O livro apresenta contas do custo da corrupção…
Deltan: Fazemos
essa conta com base num estudo da ONU [Organização das Nações Unidas] e do
Fórum Econômico Mundial. A corrupção desvia cerca de 5% do PIB [Produto Interno
Bruto] Mundial. Segundo estudo mais conservador, da Fiesp [Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo], a corrupção desvia no Brasil pouco mais de
2% do PIB.
De qualquer modo, o número é assustador. São desviados no
Brasil mais de R$ 100 bilhões, segundo a estimativa mais conservadora, e mais
de R$ 300 bilhões por ano, segundo a estimativa da ONU.
Se nós tomarmos um número como padrão, R$ 200 bilhões,
nós poderíamos, com esse dinheiro, universalizar os serviços de água e esgoto
no período de dois anos e meio. Quando, hoje, nós temos mais de 35 milhões de
pessoas sem o serviço de água encanada e mais de 100 milhões de pessoas sem acesso
ao esgoto.
5) G1: Vamos falar de um momento crítico, que foi a ameaça de
renúncia do grupo diante da reação dos políticos. O que levou a força-tarefa a
tomar essa decisão?
Deltan: Esse anúncio de uma possível renúncia do
grupo ocorreu um dia depois que o Congresso Nacional analisou as “10 Medidas
Contra a Corrupção” no seu plenário. Veja que essas medidas tinham o apoio de
mais de 2 milhões de pessoas.
Elas chegaram ao Congresso com o apoio de mais de 1 mil
entidades, inclusive entidades jurídicas, como tribunais, associações de juízes
e promotores. E elas foram apreciadas por uma comissão especial de deputados.
Aproximadamente 30 deputados federais apreciaram e aprovaram elas por unanimidade.
Elas foram encaminhadas para o plenário e lá elas foram deturpadas,
desfiguradas e substituídas por um projeto que, em vez de atuar contra a
corrupção, atuava contra o combate à corrupção.
Pela primeira vez, o Congresso Nacional passou a linha e
atacou de modo visível as investigações, atacou a Lava Jato. Era necessário
nesse momento traçar uma nova linha para que novos ataques não fizessem,
especialmente no recesso, no final do ano, quando a sociedade não estaria tão
mobilizada, derrubasse o caso de vez.
6) G1: Medidas contra a Lava Jato foram surgindo ao longo da
operação, como o projeto de anistia ao caixa 2…
Deltan: Foi
uma das respostas do sistema político contra as investigações. O que mais nos
preocupa é o fato de que foi apresentado esse projeto como se fosse uma anistia
ao caixa 2, mas quando a redação do projeto veio à tona, se observou que na
verdade se objetivava anistiar a corrupção ligada ao caixa 2, não só o caixa 2.
A redação dizia algo como “serão anistiados todos os recursos que forem
destinados a campanhas eleitorais e crimes relacionados”. Mas espera aí, o
recurso que é usado para o financiamento de campanha e não é declarado, que é
conhecido como caixa 2, ele pode ter origem em corrupção. E esse projeto
anistiava o próprio crime de corrupção que é absolutamente inadmissível. Então,
conforme o livro, a par dos problemas de uma anistia ao caixa 2, essa proposta
fulminaria a Lava Jato. Faria com que aquelas pessoas presas, condenadas pela
Lava Jato, pudessem sair das prisões pela porta da frente.
7) G1: Informações relatadas na delação da Odebrecht estão sendo
enviadas para o Paraná. Essas informações podem trazer novos fatos para
abertura de novas investigações?
Deltan: A colaboração da Odebrecht tem o potencial
de multiplicar a Lava Jato em termos de tamanho. Mas não só em Curitiba. Em
vários outros estados para onde estão sendo encaminhados pedaços de informação,
pedaços de provas sobre crimes que foram praticados por todo o país. Cada
estado, cada lugar, vai analisar aquela informação, aquela prova, vai analisar
o que já foi feito, e vai ver a viabilidade de desenvolver novas linhas de
investigação com base naquele material. É isso que vai ser feito aqui no
Paraná.
8) G1: Mesmo quando já há uma sentença, podem surgir novas provas
para uma nova investigação?
Deltan: Pode,
porque embora já exista uma condenação em relação a determinados crimes, em
relação a determinadas pessoas, as provas e informações podem revelar a
participação de outras pessoas nesse mesmo crime ou a participação de outros
crimes que não tinham sido descobertos.
9) G1: Qual a sua avaliação sobre a participação da sociedade na
luta contra a impunidade?
Deltan: A
sociedade é central e é disso que trata o livro. Muitas vezes as pessoas
acreditam que a Lava Jato é suficiente, que a Lava Jato vai fazer uma
transformação do Brasil.
Mas a mensagem central desse livro é que é preciso ir
além da Lava Jato, porque o que a Lava Jato faz é um diagnóstico de uma
situação sombria, de uma corrupção extremamente maléfica para a nossa sociedade.
Ela mostra o monstro da
corrupção em carne e osso diante dos nossos olhos e o valor que é desviado e
como ele poderia ser empregado em favor da sociedade. O livro e a Lava Jato
mostram a dor que a corrupção causa para o nosso país. Agora, o livro vai além,
porque a Lava Jato traz o diagnóstico, o que nós precisamos é tratamento.
Não basta você ir ao médico e ele descobrir que você tem
uma doença. Você precisa de remédio, você precisa de tratamento, eventualmente
de uma operação, de uma cirurgia.
Agora, o que esse livro traz, ele mostra que nós
precisamos, se nós queremos um país melhor, reformar o sistema de Justiça,
reformar o sistema político do nosso país, ele mostra quais são as falhas que
existem, e o que que é preciso mudar, na nossa perspectiva. É uma contribuição
com o debate, com a reflexão sobre as mudanças necessárias se nós queremos um
país melhor.
10) G1: O senhor consegue enxergar o fim da história da Lava Jato?
Deltan: Eu vejo uma luz no fim do túnel e eu
espero que não seja um trem. Nós vemos na Itália o que aconteceu, foi que um
trem passou por cima da operação, destruiu a operação, esvaziou ela, porque
eles não alcançaram essas reformas.
O grande propósito desse
livro é chamar atenção para o fato de que não basta a Lava Jato, a gente
precisa ir além dela com essas reformas. A gente precisa que essa luz no final
do túnel seja uma luz de esperança, uma luz de um Brasil com menores índices de
corrupção e de impunidade.
11) G1: O senhor acredita que o Brasil será um país melhor depois
da Lava Jato?
Deltan: Essa
pergunta depende de um fator que não está no meu controle, que é exatamente o
engajamento da sociedade, como a sociedade vai se comportar ao longo desse
processo. Eu tenho visto sinais muito positivos no sentido de engajamento. É
preciso que a sociedade persista. Veja que depois de três anos, com tantas
notícias de corrupção todos os dias nos jornais, muitas pessoas acabam se
insensibilizando, se cansando de tanta notícia de corrupção. Mas nós temos que
manter a nossa perseverança, nós precisamos manter o nosso engajamento, a gente
não pode passar a considerar normal o que é anormal.
FONTE: AQUI
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