REJEIÇÃO parcial da Reforma Trabalhista pelo MPT
PROCURADORIA GERAL
DO TRABALHO
Gabinete do
Procurador Geral do Trabalho
NOTA TÉCNICA N° 02, DE 23 DE JANEIRO DE 2017, DA SECRETARIA DE RELAÇÕES
INSTITUCIONAIS DO MINISTÉRIO PUBLICO DO TRABALHO (MPT)
O
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (MPT), no exercício das atribuições
constitucionais de defesa da ordem jurídica justa, do regime democrático e dos
interesses sociais. e individuais indisponíveis, bem como de promoção da dignidade
da pessoa humana, da valorização social do trabalho e da justiça social, apresenta
esta Nota Técnica, produzida e aprovada pelo Grupo de Trabalho instituído pela
Portaria PGT n° 2, de 9 de janeiro de 2017, para expor seu posicionamento
acerca do Projeto de Lei (PL) no 6.787/2016, de autoria do Poder Executivo, com a finalidade de apontar violações de
ordem constitucional, de demonstrar que há evidente prejuízo aos trabalhadores
e a organização capital-trabalho, bem como o encorajamento a corrupção nas
relações coletivas de trabalho, assim como não garante qualquer segurança
jurídica.
CONSIDERAÇÕES
GERAIS
As
mudanças pretendidas na legislação trabalhista pelo PL 6.787/2016
contrariam inúmeras disposições constitucionais e legais, assim como
desrespeitam compromissos internacionais assumidos pelo Brasil por meio de
tratados de direitos humanos.
Em
relação ao negociado sobre o legislado,
é importante apontar que os direitos trabalhistas previstos no artigo 7º da
Constituição, as normas de tratados e convenções internacionais ratificados
pelo país (CF, artigo 5°, § 2°) e as normas legais infraconstitucionais que
asseguram a cidadania aos trabalhadores compõem, na feliz expressão do Ministro
Maurício Godinho Delgado, o "patamar mínimo civilizatório que a
sociedade democrática não concebe ver reduzido em qualquer segmento econômico-profissional,
sob pena de afrontarem a própria dignidade da pessoa humana e a valorização
mínima deferível ao trabalho (artigos 1°, l e 170, caput, CF/88)"8.
Por
outro lado, sendo possível o estabelecimento de acordo coletivo de trabalho
com determinada empresa para rebaixar direitos trabalhistas em geral e não com
as suas concorrentes, claro está o desequilíbrio concorrencial para as outras empresas,
gerando a concorrência desleal, vedada pelo artigo 170, IV, da Constituição da
República e também evitada pela disposição do artigo 620 da CLT, mantida
sem alteração em mais uma contradição jurídica do projeto de lei apresentado.
Em
relação às modificações propostas em
relação ao contrato de trabalho a tempo parcial e ao contrato de trabalho
temporário, bem como na introdução da prevalência do negociado sobre o
legislado para admitir a aplicação de normas abaixo do que prevê o piso legal, percebe-se
evidente violação do caput do artigo 7° da Constituição Federal, em que
se prevê que novos direitos atribuídos aos trabalhadores devem melhorar - e não
piorar - a sua condição social.
Reconhece-se
no projeto violação, também, ao Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais, ratificado pelo Brasil, que, em seu artigo 7º, prevê:
"Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda
pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem
especialmente. b) a segurança e a higiene no trabalho; d) o descanso, o lazer,
a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas,
assim como a remuneração dos feriados".
Da mesma forma, há violação ao
artigo 7º do Protocolo de San Salvador, também ratificado pelo Brasil:
"Os Estados Partes neste Protocolo reconhecem que o direito ao
trabalho, a que se refere o artigo anterior, pressupõe que toda pessoa goze do
mesmo em condições justas, equitativas e satisfatórias, para o que esses
Estados garantirão em suas legislações, de maneira particular. e) segurança e
higiene no trabalho; g) limitação razoável das horas de trabalho, tanto diárias
quanto semanais".
Ainda em relação à duração do trabalho, cabe
lembrar o artigo 24 da Declaração Universal dos Direitos humanos: "toda
pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas
de trabalho e a férias periódicas remuneradas" e também o artigo 11 da
Declaração Sociolaboral do Mercosul: "Todo trabalhador tem direito
à jornada não superior a oito horas diárias, em conformidade com as legislações
nacionais vigentes nos Estados Partes e o disposto em convenção ou acordo
coletivo de trabalho, sem prejuízo de disposições específicas para a
proteção de trabalhos perigosos, insalubres ou noturnos".
Ademais, a ausência
de previsão sobre a harmonização do papel dos representantes dos trabalhadores
no local de trabalho com o dos representantes sindicais desconsidera o
artigo 5°
da Convenção n. 135 da OIT, ratificada pelo Brasil: "Quando uma
empresa contar ao mesmo tempo com representantes sindicais e representantes
eleitos, medidas adequadas deverão ser tomadas, cada vez que for necessário, para
garantir que a presença de representantes eleitos não venha a ser utilizada
para o enfraquecimento da situação dos sindicatos interessados ou de seus
representantes e para incentivar a cooperação, relativa a todas as questões
pertinentes, entre os representantes eleitos, por uma Parte, e os sindicatos
interessados e seus representantes, por outra Parte". Disposição no mesmo
sentido está também expressa no artigo 3.2 da Convenção 154 da OIT.
Por fim, faz-se
necessário tecer algumas considerações a respeito do discurso, muitas vezes repetido, de que a proposta de reforma
trabalhista apresentada - e, portanto, a admissão da supressão de direitos
pela via negocial, e ampliação das formas de contratação que
proporcionam menor segurança e salário ao trabalhador - mostra-se necessária para "criar
empregos" ou "manter empregos".
Tal
discurso revela um desconhecimento a respeito de noções de economia,
particularmente acerca das condições econômicas que caracterizam períodos
recessivos, como o atualmente vivido pelo país.
As recessões são
caracterizadas por uma crise de confiança que se abate sobre empresários e
investidores. Como a perspectiva de demanda futura
por produtos e serviços se torna negativa, os investidores, inclusive os
bancos, seguram o crédito, com receio de que, se investirem, experimentarão
risco de perda, motivo pelo qual exigem retorno (juros) maiores. O empresário,
diante da expectativa de demanda declinante, e ante a restrição de linhas de
financiamento, não investe e diminui a produção, o que leva a demissões. O
processo se retroalimenta, pois a queda da renda dos trabalhadores, e,
portanto, da capacidade aquisitiva dos consumidores, concretiza a expectativa
de redução de demanda, o que torna a expectativa dos agentes econômicos com
relação ao futuro ainda pior.
Nesse
cenário, a ideia de que, restringindo-se direitos trabalhistas e diminuindo-se
custos para as empresas, haverá estímulo a novas contratações, revela se
equivocada. No período recessivo, não é suficiente ao empresário
que o custo trabalhista tenha declinado, pois sua maior preocupação é com o
enxugamento da demanda futura pelos produtos ou serviços que coloca no mercado.
Ele precisa planejar hoje o quanto irá produzir, na esperança de que conseguirá
vendê-los amanhã. Se a sua expectativa é de que a demanda está em queda e ele
não conseguirá vender o suficiente amanhã, ele fatalmente vai produzir menos,
pois não quer correr o risco de ver seu produto ou serviço encalhado e amargar
enorme prejuízo. Se a opção for por reduzir a produção, ele demitirá os
empregados de que não têm mais necessidade, mesmo que o custo trabalhista tenha
diminuído, pois os trabalhadores a mais se tornariam simplesmente ociosos.
A
diminuição de direitos trabalhistas conduz ao encolhimento da renda do trabalhador
e, portanto, à diminuição da capacidade aquisitiva dos consumidores
(ainda mais com o mercado de crédito pessoal já proibitivamente caro). Durante
uma recessão, o empresário não recebe a informação de que os salários estão em
declínio e limita-se a pensar que bom, terei menos custos. Ele pensa isso, mas
extrai uma conclusão adicional: os salários estão em queda, o desemprego
aumenta, então os consumidores vão comprar, amanhã, ainda menos, de modo que a
minha expectativa de demanda se tornou ainda pior, razão pela qual vou ter que
investir e produzir menos. E demitir.
Como
resultado, não se cria qualquer emprego novo, pois nenhum empresário vai
contratar, produzir e investir mais se a confiança na demanda futura por produtos
e serviços continua negativa. O que se consegue com tais medidas é a substituição
de empregados com mais direitos por empregados com menos direitos e menor
segurança, sem qualquer benefício à sociedade.
Recentemente, a OIT
lançou o estudo "Emprego mundial e
perspectivas sociais 2015: a natureza cambiante do trabalho". No
relatório produzido pela agência especializada das Organizações das Nações
Unidas para o mundo do trabalho, foram analisados dados e estatísticas de 63
países, incluindo países desenvolvidos e em desenvolvimento, dos últimos 20
anos. Tal estudo conclui que a diminuição na proteção dos trabalhadores não
estimula a criação de empregos e não é capaz de reduzir a taxa de desemprego9.
A pesquisa realizada
mostra como a dimensão da proteção ao trabalhador em um determinado país não
afeta as taxas de ocupação e de desemprego, nem positivamente, nem
negativamente. A conclusão foi obtida por meio de distintos dados econométricos
tanto para países desenvolvidos como para países em desenvolvimento10.
Portanto, percebe-se
que a reforma trabalhista que se pretende operacionalizar por meio do PL
6.787/2016 não será mecanismo efetivo para retomar a criação de empregos no
país e terá como efeito tornar a situação do trabalhador brasileiro mais
difícil em um momento de contexto econômico-social adverso.
Desta forma, o Brasil
acabará por violar o artigo 1°, I e II da Convenção n. 117 da OIT, ratificada
pelo Brasil, que enunciam o seguinte: "l. Qualquer política deve visar
principalmente ao bem-estar e ao desenvolvimento da população, bem como à
promoção de suas aspirações de progresso social" e "l. Qualquer
política de aplicação geral deverá ser formulada tomando na devida conta suas
repercussões sobre o bem-estar da população".
A
proposta de minirreforma trabalhista acaba por violar também o compromisso
firmado pelo Brasil com a OIT de promoção do Trabalho Decente. Além disso, as
disposições normativas apresentadas no Projeto vão na contramão da Agenda Nacional
de Trabalho Decente elaborada pelo Brasil em maio de 200611.
CONCLUSÃO
Em
razão das considerações acima expostas, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO pugna pela REJEIÇÃO PARCIAL DO PROJETO DE LEI Nº
6.787/2016 e PELA SUA ADEQUAÇÃO nos termos apontados acima.
Cordialmente,
RONALDO CURADO FLEURY
PROCURADOR GERAL DO TRABALHO
Se
aprofundem nos 4 temas disposto no texto técnico acima:
1. CONTRATO DE
TRABALHO A TEMPO PARCIAL.
2. REPRESENTAÇÃO
DE TRABALHADORES POR LOCAL DE TRABALHO.
3. PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO.
4. CONTRATO DE
TRABALHO TEMPORÁRIO.
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