Manifesto LEITOS PARA TODOS!
Manifesto – LEITOS PARA TODOS!
Em poucas semanas a pandemia da COVID-19 vai levar o sistema de saúde
brasileiro ao colapso, isto é, ao ponto a partir do qual não será possível
atender a demanda de casos graves de internação e terapia intensiva.
Infelizmente, esse cenário se torna cada vez mais provável na medida em que: a
curva de evolução da epidemia segue em crescimento; há uma enorme dificuldade
da implantação das medidas de isolamento em áreas urbanas periféricas com
condições precárias de moradia, saneamento, renda e trabalho; a mais alta
autoridade do país desdenha dos impactos do vírus e da necessidade de medidas
de contenção.
O Sistema Único de Saúde (SUS), público, gratuito e universal, é o
principal instrumento para enfrentar essa situação. Diversos estados têm
mobilizado esforços crescentes para ampliar a oferta de leitos, por meio da
adaptação de espaços assistenciais públicos existentes e da criação de
hospitais de campanha. Isso ainda é muito pouco frente aos enormes desafios que
se colocam no curto prazo. Os primeiros estudos que estimaram a demanda indicam
que em 53% das regiões de saúde será necessário dobrar a capacidade instalada
de leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI), e que para isso seriam
necessários 18,6 bilhões de reais [1]. Outra projeção estima um déficit de
24.500 leitos de UTI e o esgotamento destes por volta do início do mês de maio
[2].
Para além da insuficiência de leitos, corremos o risco de que o
atendimento aos pacientes portadores do coronavírus reproduza uma incômoda
marca do sistema de saúde brasileiro: a desigualdade. Em 2019, o Brasil
contava com cerca de 15,6 leitos de UTI para cada 100.000 habitantes [1].
Todavia, para cada leito per capita disponível para o SUS, existem
aproximadamente 4 disponíveis para os planos de saúde [3]. O sistema público
utiliza cerca 45% do total de leitos de UTI [4], enquanto mais da metade se
destina a 25% da população que é cliente de planos de saúde. Quando se
consideram as disparidades regionais, a situação pode ser ainda pior.
Para enfrentar esta dramática situação, o poder público precisa tomar
atitudes muito mais enfáticas e coordenadas para garantir atenção a todos os
casos independente da capacidade de pagamento das pessoas. Além disso, o
momento exige que o setor privado, incluindo planos de saúde e hospitais
privados, colaborem de forma muito mais decisiva do que vem fazendo, dada a
quantidade de recursos assistenciais que mobilizam: leitos, profissionais,
respiradores, equipamentos, máscaras. As secretarias estaduais e municipais
sozinhas não podem responder a este enorme desafio. Tampouco será possível sem
que o governo federal assuma sua responsabilidade, para muito além do
Ministério da Saúde.
Existem bases legais para que seja feito muito mais. A Lei n° 13.979/2020
afirma que “para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância
internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar (…) as
seguintes medidas: (…) requisição de bens e serviços de pessoas naturais e
jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização
justa”. A Lei 8.080/1990, afirma que “a saúde é um direito fundamental do ser
humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno
exercício”, que “o dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e
execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de
doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem
acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção,
proteção e recuperação”. E, finalmente, que esse dever “não exclui o das
pessoas, da família, das empresas e da sociedade”.
Diante da necessidade de estabelecermos mecanismos práticos que viabilizem
o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde como prevê a
Constituição de 1988, sem distinção por capacidade de pagamento; e da necessidade urgente de construção de uma resposta adequada
e solidária à epidemia, que salve a maior quantidade de vidas possível,
propomos:
1. A utilização, controle e gerenciamento pelo poder público de
toda a capacidade hospitalar existente no país de forma emergencial,
especialmente leitos de internação e UTI de hospitais privados e planos de
saúde, para o tratamento universal e igualitário dos casos graves da COVID-19.
Isso deve acontecer de forma articulada ao setor privado, que por sua vez deve
cooperar com recursos técnicos e assistenciais para o enfrentamento coletivo da
pandemia.
2. A criação de uma fila única de casos graves da COVID-19
que demandem internação e terapia intensiva, atualizada permanentemente e
regulada pelo SUS aos moldes da experiência das filas de transplantes,
constituída única e exclusivamente a partir de critérios de gravidade do quadro
clínico e não pela capacidade de pagamento individual.
3. Que o Ministério de Saúde e
secretarias estaduais apresentem imediatamente projeções de demanda de
leitos de internação, de UTI e respiradores para todas as unidades da
federação e regiões de saúde, assim como estimativas de recursos financeiros e
assistenciais necessários para que todos os casos sejam atendidos.
4. Que o Governo Federal, em articulação e cooperação com os
Estados e o setor privado, disponibilize imediatamente os recursos
financeiros e assistenciais necessários para a construção de leitos de
internação e UTI com respiradores para todos que precisam. Isso pode ser
feito utilizando a capacidade privada, adaptando serviços já existentes para
que se tornem leitos de internação e UTI, e construindo quando necessário
hospitais de campanha.
5. O monitoramento, gestão e distribuição unificada dos estoques
de equipamentos de proteção individual (EPIs) que garantam isolamento
respiratório e segurança para todos os profissionais de saúde na rede pública e
na rede privada. O mesmo vale para os testes da COVID-19, que precisam ser
disponibilizados e distribuídos em uma escala muito superior ao que vem
acontecendo.
6. Estímulo financeiro imediato às empresas com capacidade de
produção de respiradores artificiais, monitores, leitos especiais de UTI e
demais dispositivos necessários à ampliação do parque de leitos, bem como
articulação imediata com empresas industriais que possam ampliar essa produção
em nível nacional. Importação imediata de quantos respiradores artificiais se
dispuser.
[1]
RACHE, B et al. Necessidades de Infraestrutura do SUS em Preparo ao COVID19:
Leitos de UTI, Respiradores e Ocupação Hospitalar. Nota Técnica nº 3. IEPS.
[2]
ALMEIDA, JFF et al. Previsão de disponibilidade de leitos nos estados
brasileiros e Distrito Federal em função da pandemia de Sars-CoV-2. Nota
Técnica LABDEC/NESCON/UFMG n°2
[3]
COSTA, NR e LAGO, MJ. A Disponibilidade de Leitos em Unidade de Tratamento
Intensivo no SUS e nos Planos de Saúde Diante da Epidemia da COVID-19 no
Brasil. Nota Técnica. 19 de março de 2020
[4]
Dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES)
Subscrevem esta nota as
seguintes entidades (atualizado em 31/03):
Associação Brasileira de Saúde
Coletiva (Abrasco)
Centro Brasileiro de Estudos
da Saúde (Cebes)
Rede Unida
Rede Nacional de Médicos e
Médicas Populares
Nenhum Serviço de Saúde a
Menos
Trabalhadores pelo SUS
Movimento Popular de Saúde
(MOPS) – Campinas
Sindicato dos Médicos do Rio
de Janeiro
Sindicato dos Agentes
Comunitários de Saúde do Município do Rio de Janeiro
Sindicato dos Farmacêuticos do
Estado do Rio de Janeiro
Sindicato dos Nutricionistas
do Estado do Rio de Janeiro
Sindicato dos Assistentes
Sociais do Estado do Rio de Janeiro
FONTE: AQUI
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