Como surgiu a JUSTIÇA DO TRABALHO

Para entendermos a evolução da Justiça do Trabalho no Brasil até os dias atuais precisaremos voltar à década de 30, quando surgiu no cenário político Brasileiro o gaúcho Getúlio Vargas, dando início à fase que ficou conhecida na história como Era Vargas. Época de intensas mudanças sociais, econômicas e políticas que ocorreram na esteira das transformações que assolaram a Europa no século XIX, a sociedade brasileira ingressa, então, no século XX marchando vigorosamente rumo à industrialização e a modernização do Estado, contrapondo-se ao modelo agro-exportador até então vigente, que encontrava na oligarquia cafeeira do eixo “Rio-São Paulo” sua base de sustentação política e econômica. Como não é objeto deste trabalho tecer profundas e complexas considerações históricas, focaremos somente os fatores que efetivamente sejam imprescindíveis ao entendimento das mudanças ocorridas na relação mão-de-obra versus capital.
A República Oligárquica e sua política econômica cafeeira iniciavam um processo de desagregação sem volta, acelerado pelos ventos industrializantes pós-primeira guerra mundial, tendo como consequência direta à urbanização da sociedade. O direito do trabalho nasce com a sociedade industrial e o trabalho assalariado[1]. Eis o paradigma[2] do direito laboral no Brasil: o processo de industrialização da economia e a consequente substituição da mão-de-obra escrava pela assalariada.
O surgimento da classe operária se deu no fim do império, todavia foi na República velha que cresceu significativamente logo após o primeiro grande conflito mundial. Formada, basicamente, por mão-de-obra estrangeira, os operários foram submetidos a condições de trabalho aviltantes e desumanas[3]
O resultado foi um período de muitas greves. Notadamente em 1917, a classe operária unida conflagrou um movimento que se alastrou por todo o país, nele os trabalhadores reivindicavam aumentos salariais em torno de 20%, jornada de oito horas, assistência médica, regulamentação do trabalho da mulher e do menor, segurança do trabalho, semana de cinco dias e meio, pontualidade no pagamento[4].
Apesar de todo o esforço para por fim a essas condições humilhantes e degradantes o resultado esperado pelos operários não foi alcançado, as principais reivindicações deixaram de ser atendidas. Nos anos seguintes as greves continuaram, porém, as que mais se destacaram compreendem o período de 1919 e 1920.  
Nesse conjunto fático chegava ao fim a República Velha. O estopim da crise foi o assassinato de João Pessoa, vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas, que embora tenha sido assassinado em virtude de brigas políticas locais, a oposição culpou o presidente já que o assassino era um político ligado ao Poder Executivo Federal. Uma junta militar formada por uma dissidência oligárquica, composta pelo General Mena Barreto, General Tasso Fragoso e o Almirante Isaías de Noronha, tendo como braço armado o movimento Tenentista, derruba o presidente Washington Luís e assume o poder. Sob pressão de diversos seguimentos econômicos e políticos a junta foi obrigada a entregar o governo “provisoriamente” a Getúlio Vargas, uma nova Era surgia no país. Vejamos, então, a importância dessa nova fase política na marcha da justiça do trabalho.
Em 1931 perambulavam pelas ruas, principalmente nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, aproximadamente dois milhões de desempregados e subempregados[5], caberia, pois, ao novo governo “provisório” ajustar as políticas em relação a essa parte significativa da população.
Um dos primeiros atos de Vargas foi à criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, tendo como Ministro no biênio 1930/1932 o gaúcho Lindolfo Collor. Com essa medida o governo interveio fortemente na questão trabalhista iniciando longa fase marcada pelo intervencionismo estatal.
Decorre dessa quadra da história a promulgação de diversas leis ordinárias regulamentando o trabalho: trabalho de menores (1891), organização de sindicatos rurais (1903) e urbanos (1907), criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (1930), trabalho das mulheres (1932), nova estrutura sindical (1931), convenções coletivas de trabalho (1932), Justiça do Trabalho (1939) e salário mínimo (1936)[6].
A Constituição Mexicana (1917) e a Constituição de Wiemar (1919) inseriram pela primeira vez em seus textos, normas trabalhistas, dando início ao movimento que ficou conhecido como constitucionalização do Direito Trabalhista, decorrente da fase imediatamente anterior conhecida como consolidação do Direito do Trabalho que teve como marcos históricos a Conferência de Berlim (1890) e a Encíclica Católica Rerum Novarum (1891)[7]. A tutela Constitucional no Brasil não demoraria a acontecer, o momento era propício e veio com a segunda Constituição da República, promulgada em 16 de Julho de 1934, disciplinando pela primeira vez na história do Constitucionalismo pátrio as relações de trabalho. Assim dispunha o texto Constitucional:
       Art 121 - A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País.
        § 1º - A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador:
        a) proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil;
        b) salário mínimo, capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, às necessidades normais do trabalhador;
        c) trabalho diário não excedente de oito horas, reduzíveis, mas só prorrogáveis nos casos previstos em lei;
        d) proibição de trabalho a menores de 14 anos; de trabalho noturno a menores de 16 e em indústrias insalubres, a menores de 18 anos e a mulheres;
        e) repouso hebdomadário, de preferência aos domingos;
        f) férias anuais remuneradas;
        g) indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa;
        h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte;
        i) regulamentação do exercício de todas as profissões;
        j) reconhecimento das convenções coletivas, de trabalho.
        § 2º - Para o efeito deste artigo, não há distinção entre o trabalho manual e o trabalho intelectual ou técnico, nem entre os profissionais respectivos.
        § 3º - Os serviços de amparo à maternidade e à infância, os referentes ao lar e ao trabalho feminino, assim como a fiscalização e a orientação respectivas, serão incumbidos de preferência a mulheres habilitadas.
        § 4º - O trabalho agrícola será objeto de regulamentação especial, em que se atenderá, quanto possível, ao disposto neste artigo. Procurar-se-á fixar o homem no campo, cuidar da sua educação rural, e assegurar ao trabalhador nacional a preferência na colonização e aproveitamento das terras públicas.
        § 5º - A União promoverá, em cooperação com os Estados, a organização de colônias agrícolas, para onde serão encaminhados os habitantes de zonas empobrecidas, que o desejarem, e os sem trabalho.
        § 6º - A entrada de imigrantes no território nacional sofrerá as restrições necessárias à garantia da integração étnica e capacidade física e civil do imigrante, não podendo, porém, a corrente imigratória de cada país exceder, anualmente, o limite de dois por cento sobre o número total dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos cinqüenta anos.
        § 7º - É vedada a concentração de imigrantes em qualquer ponto do território da União, devendo a lei regular a seleção, localização e assimilação do alienígena.
        § 8º - Nos acidentes do trabalho em obras públicas da União, dos Estados e dos Municípios, a indenização será feita pela folha de pagamento, dentro de quinze dias depois da sentença, da qual não se admitirá recurso ex - offício .
          Art 122 - Para dirimir questões entre empregadores e empregados, regidas pela legislação social, fica instituída a Justiça do Trabalho, à qual não se aplica o disposto no Capítulo IV do Título I.
         Parágrafo único - A constituição dos Tribunais do Trabalho e das Comissões de Conciliação obedecerá sempre ao princípio da eleição de membros, metade pelas associações representativas dos empregados, e metade pelas dos empregadores, sendo o presidente de livre nomeação do Governo, escolhido entre pessoas de experiência e notória capacidade moral e intelectual[8].
De cunho declaradamente intervencionista as normas trabalhistas inseridas na Carta de 1934 sofreram forte influência da Constituição Alemã de 1919, contextualizada com direitos de segunda dimensão[9] reflexo da democracia social que alcançou o mundo no início do século XX.  
Nesse diapasão, faz-se necessário trazer à colação o resgate histórico brilhantemente apresentado por Ministro IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO[10], citado por quase a totalidade dos estudiosos, acerca da gênese da Justiça do Trabalho no Brasil:
Da mesma forma que o Direito do Trabalho surgiu do desmembramento de uma parte do Direito Civil relativa aos contratos de locação de serviços, a Justiça do Trabalho surgiu como corolário da independência da nova disciplina jurídica. No entanto, antes de seu surgimento, cabia à Justiça Comum a apreciação das controvérsias relativas a esses contratos, regidos pelas leis civis e comerciais. 
No tempo do Império, as leis de 13 de setembro de 1830, 11 de outubro de 1837 e 15 de março de 1842 foram as primeiras a dar tratamento especial às demandas relativas à prestação de serviços, que deveriam ser apreciadas segundo o rito sumaríssimo pelos juízes comuns. O Decreto n. 2.827, de 15 de março de 1879, no entanto, veio a restringir tal procedimento às demandas de prestação de serviços no âmbito rural, atribuindo sua solução aos juízes de paz. As demais demandas relativas a contratos de trabalho, de acordo com o Regulamento n. 737, de 25 de novembro de 1850, seriam apreciadas pelos juízes comuns, mas segundo o rito sumário. Via-se, assim, o reconhecimento de que as questões trabalhistas demandavam um processo mais célere e simplificado. No entanto, os primeiros ensaios de se criar organismos independentes para a solução dessas demandas apenas se verificaram no começo da República.
Sendo o Brasil, nos seus primórdios, um país agrícola, o protecionismo estatal dirigiu-se basicamente ao trabalhador manual do campo, especialmente o imigrante. O Decreto n. 979, de 6 de janeiro de 1903 facultou aos trabalhadores do campo a organização de sindicatos para defesa de seus interesses, mas com objetivos mais amplos: intermediação de crédito agrícola, aquisição de equipamento e venda da produção do pequeno agricultor. Sua feição era mais econômica do que política ou jurídica.
Seguindo nessa direção, a mais antiga tentativa de constituição de órgãos jurisdicionais trabalhistas no Brasil data de 1907, quando foram instituídos, no início do governo de Afonso Pena, os Conselhos Permanentes de Conciliação e Arbitragem, pelo Decreto n. 1.637. Deveriam ser constituídos no âmbito dos sindicatos, mormente rurais, para ‘dirimir as divergências e contestações entre o capital e o trabalho’ (art. 8º). A experiência acabou não saindo do papel, na medida em que nenhum sindicato foi organizado de acordo com essa previsão legal.(pp. 177-8).  
Na nova estrutura figurava a Procuradoria do Trabalho como oriunda do Departamento Nacional do Trabalho. Com a divisão do CNT em duas Câmaras, o Dr. Deodato Maia passava a ser o Procurador-Geral do Trabalho, oficiando perante a Câmara de Justiça do Trabalho, enquanto o Dr. Joaquim Leonel passava a Procurador-Geral da Previdência Social, funcionando perante a Câmara de Previdência. O Decreto-lei n. 1.237/39 estabelecia as funções básicas da Procuradoria do Trabalho, que eram: encaminhar reclamação trabalhista às JCJs (art. 40, §1º), ajuizar dissídio coletivo em caso de greve (art. 56), emitir parecer (art. 60, §1º), deflagrar o processo de execução das decisões da Justiça do Trabalho (art. 68), recorrer das decisões proferidas em dissídios coletivos que afetassem empresas de serviço público (art. 77), promover a revisão das sentenças proferidas em dissídios coletivos após um ano de vigência (art. 78, §1º) e pedir a aplicação das penalidades previstas no referido decreto-lei (art. 86). O Decreto-lei n. 1.346/39, definia a Procuradoria do Trabalho como órgão de coordenação entre a Justiça do Trabalho e o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, além de prever a existência de uma Procuradoria-Geral e de Procuradorias Regionais atuando junto aos CRTs (art. 14).
Verifica-se do rol de funções que lhe eram atribuídas que a Procuradoria do Trabalho tinha, desde as suas origens, feição de Ministério Público, na medida em que seu objetivo era a defesa do interesse público, podendo, para tanto, ‘quebrar a inércia’ do Poder Judiciário, mormente nos casos de greve, além de emitir parecer nos conflitos coletivos de trabalho.
Nos seus alvores, o Ministério Público junto à Justiça do Trabalho contou com figuras ímpares para o elevado mister que lhe era conferido, ao ponto de terem sido Procuradores do Trabalho os feitores da CLT. A atividade ministerial, na visão de Vasco de Andrade, seria ainda mais valiosa para a sociedade do que a dos julgadores, uma vez que a atividade do juiz seria passiva, aguardando provocação para julgar, enquanto a do procurador é sumamente ativa, ao tomar a iniciativa do processo, deflagrando, em nome do interesse público, ações ou recorrendo de decisões que considere atentatórias da legalidade. Chamava, no entanto, a atenção, o ilustre fundador da Revista LTr, para o perigo que poderia ocorrer em relação ao Ministério Público, no sentido de, com o passar do tempo, perder seu vigor originário: transformar-se em mero órgão burocrático, restrito à elaboração de ligeiros pareceres, sem iniciativa e zelo fiscalizador pelo respeito à ordem jurídico-laboral, o que, em alguns momentos da História do Parquet Laboral veio, efetivamente a ocorrer. (pp. 193-4)
A história descrita por Ives Gandra remete à época que a Justiça do Trabalho era parte integrante do Poder Executivo, portanto, reflexo do intervencionismo estatal característico da nova organização sócio-política implementada por Vargas e o “governo provisório”. A Constituição de 1934 tem curtíssima duração tendo sido abolida pelo golpe de Estado de Getúlio Vargas, em que se deu o fechamento do Congresso e a promulgação da Constituição de 1937, que mantendo a Justiça do Trabalho como ramo do Poder Executivo assim dispunha:           
Art. 139 - Para dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados regulados na legislação sociais, é instituída a Justiça do Trabalho, que será regulada em lei e à qual não se aplicam as disposições desta Constituição relativas à competência, ao recrutamento e às prerrogativas da Justiça comum.
Vê-se, pois, que o arcabouço legal trabalhista consolidado no período 1930-1945 pouco foi mudado[11] e por força do decreto-lei 5.452 de 1943 assumiu natureza de código do trabalho apesar de ter recebido a denominação de consolidação.
Embora reconhecido pelo STF com órgão do Poder Judiciário, via controle difuso de Constitucionalidade (Recurso Extraordinário n° 6.310, DJU de 30.9.43), foi somente com a Constituição de 1946 que se incluiu definitivamente a Justiça do Trabalho como órgão judicante: 
Art.94 - O Poder Judiciário é exercido pelos seguintes órgãos:
I - Supremo Tribunal Federal;
II - Tribunal Federal de Recursos;
III - Juízes e Tribunais militares;
IV - Juízes e Tribunais eleitorais;
V - Juízes e Tribunais do trabalho.
Em primeira instância a Justiça do Trabalho continuava ser composta por um juiz presidente (togado) e dois juízes classistas (um representante dos empregados e outro dos empregadores), conforme dispunha o Art. 647 da C.L.T, cuja estrutura só foi alterada pela EC n. 24/1999.
A Constituição da ditadura militar de 1967, bem como a emenda de 1969, manteve quase inalterada a carta de 1946, transição significativa aconteceria por ocasião dos trabalhos da assembléia nacional constituinte em 1987/1988.
Instituído o Estado Democrático de Direito é inegável os avanços jurídicos ínsitos na nova carta política, pela primeira vez na história brasileira após 1930 impede-se que o poder estatal intervenha nas entidades sindicais[12], segundo DELGADO (2005):
[...] a Constituição de 1988 produziu um clarão renovador na cultura jurídica brasileira, permitindo, despontar, no estuário normativo básico do país, a visão coletiva dos problemas, em antecipação à visão individualista preponderante, oriunda do velho Direito Civil. Essa nova perspectiva embebe-se de conceitos e óticas próprias do Direito do Trabalho, em especial a noção de ser coletivo (e de fatos/atos coletivos), em contraponto à clássica de ser individual (e fatos/atos individuais), dominante no estuário civilista brasileiro. Ao constitucionalizar o Direito do Trabalho, a Carta de 1988 praticamente impôs ao restante do universo jurídico uma influência e inspiração justrabalhista até então desconhecidas na história do país[13]
Impende ressaltar que na vigente Carta política os direitos de natureza trabalhista, antes ínsitos nos capítulos atinentes à organização econômica e social, são topograficamente deslocados para o título que trata sobre direitos e garantias fundamentais[14], um plus normativo[15], posto que o direito, no contexto atual do Estado Democrático, não é mais ordenador ou promovedor como era na fase liberal enquanto influenciado pelos ideais igualitários da Revolução Francesa, agora é transformador da realidade. Veremos, oportunamente em novo artigo, as expressivas e intensas alterações que sofreu a justiça obreira com o advento da EC n° 45/04, conhecida como Reforma do Judiciário.
FONTE: AQUI

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