STF: não se aplica a regra das 60 horas semanais para a acumulação de cargos públicos
RECURSO
ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA (RMS) 34.257 / DF
A
jurisprudência desta Corte segue a orientação no sentido de que a acumulação de
dois cargos privativos de profissionais de saúde, com profissões
regulamentadas, nos termos do art. 37, XVI, c, da
Constituição, está condicionada apenas à existência de horários
compatíveis entre os cargos exercidos.
Dessa forma, este Tribunal tem afastado o argumento de que a existência de
norma infraconstitucional que estipule limitação de jornada semanal
constituiria óbice ao reconhecimento do direito à acumulação permitida pela
Carta Maior.
Nesse sentido, menciono o RE 351.905/RJ, de
relatoria da Ministra Ellen Gracie, cuja ementa segue transcrita:
“CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. PROFISSIONAL DA SAÚDE. ART. 17
DO ADCT.
1. Desde 1º.11.1980, a
recorrida ocupou, cumulativamente, os cargos de auxiliar de enfermagem no
Instituto Nacional do Câncer e no Instituto de Assistência dos Servidores do
Estado do Rio de Janeiro - IASERJ. A administração estadual exigiu que ela
optasse por apenas um dos cargos.
2. A recorrida
encontra-se amparada pela norma do art. 17, § 2º, do ADCT da CF/88. Na época da
promulgação da Carta Magna, acumulava dois cargos de auxiliar de enfermagem.
3. O art. 17, § 2º, do
ADCT deve ser interpretado em conjunto com o inciso XVI do art. 37 da
Constituição Federal, estando a cumulação de cargos condicionada à
compatibilidade de horários. Conforme assentado nas instâncias ordinárias, não havia
choque de horário nos dois hospitais em que a recorrida trabalhava.
4. Recurso
extraordinário conhecido e improvido.”
Especificamente sobre o tema relativo ao poder de
regulamentar dispositivo constitucional, a Ministra Ellen Gracie, em seu voto,
concluiu que:
“Em 29 de dezembro de
2004, a administração estadual exigiu que a recorrida optasse por apenas um
desses cargos, sob o fundamento de que a soma da carga horária semanal superava
o limite de 65 horas estabelecido no Decreto estadual 13.042/89, que
regulamentou a matéria no Estado do Rio de Janeiro.
(...)
Sob o ponto de vista
das normas constitucionais, a recorrida preencheu todos os requisitos para a
pretendida acumulação.
É lícito ao Chefe do
Executivo editar decretos para dar cumprimento à lei e à Constituição.
Não pode, entretanto,
sob o pretexto de regulamentar dispositivo constitucional, criar regra não
prevista, como fez o Estado do Rio de Janeiro no presente caso, fixando
verdadeira norma autônoma.”
Quanto à compatibilidade de horários para o
desempenho dos cargos, assim manifestou-se o STJ:
“[...]
In casu, do
exame das provas pré-constituídas acostadas aos autos, observo que a impetrante
labora em regime de plantão de 12:30 x 60 horas, das 19:00 às 07:30hs junto ao Hospital
Universitário Pedro Ernesto, vinculado à Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, com carga horária semanal de 32:30hs (trinta e duas horas e trinta
minutos), conforme documentos acostados às fls. 53-e, 99/100-e e 124-e, além de
cumprir jornada semanal de 30 (trinta) horas perante o Hospital dos Servidores
do Estado, vinculado ao Ministério da Saúde, onde labora das 07:00 às 13:00hs,
de segunda a sexta-feira, de modo que a impetrante perfaz uma jornada
semanal de 62:30 hs (sessenta e duas horas e trinta minutos), acima do limite máximo
permitido para efeito de acumulação lícita de cargos públicos por profissionais
de saúde, de 60 (sessenta) horas semanais, a impedir o reconhecimento de
ilegalidade do ato apontado como coator.
Desta feita, a
impetrante perfaz uma jornada semanal de 62,5 horas (fls. 46 e 52-e), acima
de 60 (sessenta) horas semanais, não se configurando o direito líquido e
certo afirmado na inicial a justificar a revisão do ato coator e a sua
reintegração ao cargo anteriormente ocupado.
Por todo o exposto e
forte nestas razões, DENEGO A SEGURANÇA” (pág. 14 do volume eletrônico
3).
Verifica-se, portanto, que o óbice constitucional à
possibilidade de acumulação dos cargos em questão, ou seja, a incompatibilidade
de horários para o seu exercício, não se faz presente na hipótese dos autos.
Ressalto, ademais, que este Tribunal já se
manifestou no sentido da impossibilidade de limitação de jornada pela aplicação
do Parecer GQ 145/1998 da Advocacia-Geral
da União.
Nesse sentido, a decisão proferida no julgamento do ARE 1.061.845/RJ, de
relatoria do Ministro Luiz Fux, cuja fundamentação, por oportuno,
reproduzo:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO
COM AGRAVO.
ADMINISTRATIVO.
SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS NA ÁREA DE SAÚDE. EXISTÊNCIA DE COMPATIBILIDADE
DE HORÁRIOS. POSSIBILIDADE.
LIMITAÇÃO DA CARGA
HORÁRIA SEMANAL A 60 (SESSENTA) HORAS. ACÓRDÃO 2.133/2005 DO TRIBUNAL DE CONTAS
DA UNIÃO. PARECER GQ 145/1998 DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO. ILEGITIMIDADE.
PRECEDENTES DE AMBAS AS
TURMAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO PROVIDO PARA, DESDE LOGO, PROVER O
RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
[…]
O acórdão ora recorrido
divergiu do entendimento firmado por esta Suprema Corte no julgamento do
Mandado de Segurança 31.256, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe de
20/4/2015, no sentido de que a Constituição Federal possibilita a acumulação de
cargos na área de saúde, quando verificada a compatibilidade de horários.
Naquela assentada, o relator, Ministro Marco Aurélio, expressamente consignou: ‘No
mais, vale o registro de que o inciso XVI do artigo 37 da Carta Federal não
faz qualquer restrição à
cargo horária das
atividades acumuláveis, bastando, como dito, a possibilidade de conciliação. O
Tribunal de Contas, assim, extrai do texto constitucional limitação que nele
não é expressa.’ (Grifos meus)
Eis o teor da ementa do
acórdão proferido naquele julgamento:
‘PROVENTOS
– CARGOS ACUMULÁVEIS – COMPATIBILIDADE DE HORÁRIO. A Constituição Federal
viabiliza a acumulação de dois cargos de saúde, uma vez verificada a
compatibilidade de horário, tendo-se como consequência a possibilidade de
dupla aposentadoria.’ (Grifos meus)
No mesmo sentido foi o
acórdão proferido no julgamento Recurso Extraordinário 633.298-AgR, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe de 14/2/2012:
‘AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO.
CONSTITUCIONAL.
SERVIDOR PÚBLICO.
ACUMULAÇÃO DE CARGOS.
EXISTÊNCIA DE NORMA INFRACONSTITUCIONAL QUE LIMITA A JORNADA SEMANAL DOS CARGOS
A SEREM ACUMULADOS. PREVISÃO QUE NÃO PODE SER OPOSTA COMO IMPEDITIVA AO RECONHECIMENTO
DO DIREITO À ACUMULAÇÃO. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS RECONHECIDA PELA CORTE DE
ORIGEM.
REEXAME DO CONJUNTO
FÁTICO-PROBATÓRIO.
IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO
IMPROVIDO.
I - A existência de
norma infraconstitucional que estipula limitação de jornada semanal não
constitui óbice ao reconhecimento do direito à acumulação prevista no art. 37,
XVI, c, da Constituição, desde que haja compatibilidade de horários para o
exercício dos cargos a serem acumulados.
II - Para se chegar à
conclusão contrária à adotada pelo acórdão recorrido quanto à compatibilidade
de horários entre os cargos a serem acumulados, necessário seria o reexame do
conjunto fático-probatório constante dos autos, o que atrai a incidência da
Súmula 279 do STF.
III - Agravo regimental
improvido.’ (Grifos meus)”
(grifos no original).
Confira-se, também, a decisão proferida no
julgamento do ARE 1.094.588/RJ, de relatoria do Ministro Celso de Mello,
do qual colho o seguinte trecho:
“[...]
Cumpre destacar ,
no tema ora em análise, ante a inquestionável procedência de suas
observações, o seguinte trecho da decisão proferida pela eminente Ministra
CÁRMEN LÚCIA (ARE 693.868/SC ), no sentido de que “Pela jurisprudência
do Supremo Tribunal, não é possível a limitação da carga horária semanal
relativa ao exercício cumulativo de cargos públicos, por tratar-se de requisito
não previsto na Constituição da República”.
Vale referir,
ainda, que esse entendimento vem sendo observado em sucessivos
julgamentos, proferidos no âmbito do Supremo Tribunal Federal, a
propósito de questão assemelhada à suscitada em sede recursal
extraordinária (AI 762 .427/GO Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – ARE 799.251/DF, Rel. Min.
GILMAR MENDES, v.g.)” (grifos no original).
Isso posto, dou provimento ao recurso ordinário e
concedo a segurança para: (i) cassar a Portaria 447, de 17 de abril de 2015
(DOU de 20/4/2015), que aplicou à impetrante pena de demissão do cargo de Enfermeira
do quadro de pessoal do Ministério da Saúde; (ii) determinar a sua reintegração
à função anteriormente ocupada, garantindo todos os direitos e deveres
inerentes ao referido emprego público; e, (iii) declarar
como lícita a cumulação de cargos, bem como a compatibilidade da jornada
prestada.
Publique-se.
Brasília,
1º de fevereiro de 2018.
Ministro
Ricardo Lewandowski
Relator
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