Ação do SINDSEP/MA sobre a problemática da ACUMULAÇÃO DE HORAS na EBSERH
Ref.: Notificação recebida via e-mail
Assunto: Acúmulo de cargos e empregos públicos com carga horária
excedente às 60 horas semanais
Nome: __________________________________________________________________________,
CPF: __________________________________,
RG nº_______________________________, vem, dentro do prazo concedido, apresentar:
MANIFESTAÇÃO
Em face do teor da
notificação feita pela Unidade de Administração de
Pessoal/DIVGP/HU-UFMA/EBSERH, nos seguintes termos:
Trata-se de sucinta
notificação da Unidade de Administração de Pessoal desta Empresa recebida via
e-mail pela parte peticionante aduzindo a detecção de pendências
administrativas relacionadas à situação de acúmulo de cargos e empregos
públicos em que o(a) funcionário(a) se encontra.
É sabido que a EBSERH tem
regulamentado internamente sua gestão de pessoal no sentido de dar cumprimento
ao parecer da Advocacia Geral da União de nº GQ 145/1998, o qual limita a
acumulação de cargos e empregos públicos à carga horária máxima de 60
(sessenta) horas semanais.
Nesse sentido, foi
concedido o prazo de 5 (cinco) dias para que o(a) funcionário(a) comparecesse
ao setor munido de documentos que, no entender desta empresa, seriam bastantes
à regularização de sua situação de acúmulo, tais como a declaração de
desligamento de seu segundo vínculo.
Ocorre que, com
a devida vênia, mostra-se inconstitucional e ilegal a conduta da EBSERH de
determinar a limitação objetiva do acúmulo de cargos e empregos públicos à
jornada semanal máxima de 60 horas, haja vista que tal previsão não está inscrita
na Constituição nem em qualquer outro instrumento legal. Em se tratando de
cargos acumuláveis, a Constituição exige apenas que haja compatibilidade de horários entre os vínculos.
Por oportuno, é imperioso
consignar que além de plenamente satisfeito o requisito constitucional da
compatibilidade de horários para o exercício, in casu, de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de
saúde, o(a) requerente vem exercendo com afinco ambas as atribuições.
Destarte, verifica-se que
não remanesce razão à EBESRH para considerar incompatíveis as jornadas de
trabalho desempenhadas pela parte peticionante, vez que existe compatibilidade
de horários. Ademais, nem mesmo do ponto de vista do desempenho lhe assiste
razão, haja vista os resultados satisfatórios das avaliações de desempenho aos
quais foi submetida a requerente.
É o que se demonstrará a
seguir.
DA INADEQUAÇÃO DO PARECER
AGU GQ 145/98 – CONTRARIEDADE À REGRA CONSTITUCIONAL E AO ENTENDIMENTO DOS
TRIBUNAIS
O
regramento a respeito da acumulação de cargos públicos está disciplinado na
Constituição Federal, da seguinte forma:
Art. 37. A administração pública
direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
XVI - é vedada a acumulação
remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
a) a de dois cargos de professor; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou
científico; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
c) a de dois cargos ou empregos privativos de
profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 34, de 2001)
Conforme
texto da Carta Magna, como regra é proibida a acumulação de cargos públicos,
porém, há um rol taxativo, acima citado, que rege as possibilidades de cargos
acumuláveis. A compatibilidade de
horários é a exigência constitucional imposta para a acumulação, porém, no
caso em questão, o que se debate é quanto à possibilidade da fixação de sua
duração máxima, pela via de Parecer.
A
Constituição Federal, norma fundamental que ocupa o topo da hierarquia de nosso
ordenamento jurídico, exige, portanto, a expressa observância da
compatibilidade de horários, sem, entretanto, delimitar uma jornada máxima de
trabalho em que o servidor público ou empregado público deve dedicar-se às
atividades dos cargos. Acerca do assunto, José dos Santos Carvalho Filho (2014)
assevera o seguinte:
[...] Entretanto, a exigência constitucional é somente a de
compatibilidade de horários, de modo que será vedado criar exigência não
prevista, como é o caso do limite de horas semanais de trabalho.
(grifou-se)
Com o intuito de ampliar o alcance
da norma de acumulação estabelecida na Constituição Federal, a Advocacia Geral
da União emitiu o Parecer nº GQ – 145 da, de 16 de março de 1998, e o Parecer
nº AC – 054, de 27 de setembro de 2006, que estabeleceram o limite máximo de
jornada semanal de 60 (sessenta) horas aos servidores públicos. É de se advertir, no entanto, que a
parte peticionante é empregada pública federal, dada a natureza jurídica da ré.
Ocorre que a imposição do
cumprimento do parecer nº CQ-145 da AGU em detrimento do que determina a
Constituição Federal de 1988 representa inversão hierárquica de nosso
ordenamento, vez que esta não impõe nenhum limite quantitativo de horas
trabalhadas na ocasião do acúmulo de cargo, desde que respeitados o rol taxativo
e demonstrada a compatibilidade de horários.
Os
Tribunais Regionais Federais são uníssonos no sentido ora defendido, veja-se:
ADMINISTRATIVO E
CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO.MÉDICO. CUMULAÇÃO DE CARGOS. POSSIBILIDADE. 1.
Consoante o art. 37, XVI e parágrafo 10, da Constituição Federal c/c o art.
118, parágrafos 1º e 2º, da Lei nº 8112/90, é possível a cumulação remunerada
de cargos públicos, desde que não haja incompatibilidade de horários. 2. O Parecer QG nº 145 da AGU - que estabelece
somente ser compatível a jornada de trabalho quando o exercício dos cargos ou
empregos não ultrapassar a carga horária de sessenta horas semanais - não
possui caráter normativo nem tampouco pode se sobrepor ao comando
constitucional. 3. No caso em comento, a acumulação pretendida pelo
requerente se mostra perfeitamente cabível, tendo em vista se tratar de
exercício de dois cargos privativos de profissionais de saúde, hipótese esta
incluída na alínea c do inciso XVI do art. 37, exercidos em horários
compatíveis, consoante as declarações fornecidas pelos hospitais públicos aos
quais o impetrante está vinculado, acostadas aos autos. 4. Vale ressaltar que o
impetrante exerce as suas atividades com assiduidade e encontra-se em tal
situação há mais de 10 (dez) anos, inclusive não há elementos que indique a
quebra do princípio da eficiência por parte do mencionado servidor. 5. Ademais,
no caso concreto, como bem observou a ilustre sentenciante, não se verifica
ofensa à saúde do impetrante ao trabalhar até
80 (oitenta) horas semanais, visto que ele possui as noites de segunda e
quinta-feira livres e não trabalha aos domingos, além do fato de que boa parte
de sua jornada de trabalho é em sistema de sobreavisos, considerados plantões
não presenciais. Apelação e remessa obrigatória improvidas. (TRF-5, Relator: Desembargador Federal José
Maria Lucena, Data de Julgamento: 06/06/2013, Primeira Turma) (grifou-se)
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL – SERVIDOR
PÚBLICO – TÉCNICA EM ENFERMAGEM - CUMULAÇÃO LEGAL DE CARGOS PÚBLICOS -
COMPATIBILIDADE DE HORÁRIO - GARANTIA CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO.
ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. LIMITAÇÃO DE CARGA
HORÁRIA A SESSENTA HORAS SEMANAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. "Orientação
jurisprudencial assente sobre ser ilegítimo ato administrativo que, tal como se
verifica no caso em exame, se limita a cotejar o somatório de horas para
concluir no sentido da incompatibilidade de horários, quando o resultado é
superior a sessenta horas semanais" (AMS 0026375-43.2009.4.01.3400/DF,
Rel. Desembargador Federal Carlos Moreira Alves, Sexta Turma, e-DJF1 p. 128 de
12/09/2011). 2. A existência ou não de
incompatibilidade de horários deve ser aferida e demonstrada concretamente, não
sendo lícito à Administração, em contrariedade ao texto constitucional,
restringir o direito à cumulação remunerada de cargos baseando-se unicamente em
critério consubstanciado no somatório de cargas horárias. 3. Apelação e remessa
oficial desprovidas. (TRF-1 - AC:
83246820064013600, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CANDIDO MORAES, Data de
Julgamento: 11/06/2014, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: 10/07/2014) (grifou-se)
O
próprio Supremo Tribunal Federal, inclusive em tempo recente, também já se
manifestou no sentido de não apoiar a
aplicação do parecer QG nº 145 da AGU, para resguardar a dicção do texto
constitucional:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO.
CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. EXISTÊNCIA DE NORMA
INFRACONSTITUCIONAL QUE LIMITA A JORNADA SEMANAL DOS CARGOS A SEREM ACUMULADOS.
PREVISÃO QUE NÃO PODE SER OPOSTA COMO IMPEDITIVA AO RECONHECIMENTO DO DIREITO À
ACUMULAÇÃO. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS RECONHECIDA PELA CORTE DE ORIGEM.
REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I - A existência de norma
infraconstitucional que estipula limitação de jornada semanal não constitui
óbice ao reconhecimento do direito à acumulação prevista no art. 37, XVI, c, da
Constituição, desde que haja compatibilidade de horários para o exercício dos
cargos a serem acumulados. II – Para se chegar à conclusão contrária à
adotada pelo acórdão recorrido quanto à compatibilidade de horários entre os
cargos a serem acumulados, necessário seria o reexame do conjunto
fático-probatório constante dos autos, o que atrai a incidência da Súmula 279
do STF. III - Agravo regimental improvido.
“RE 633298 AgR / MG - MINAS GERAIS AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI Julgamento:
13/12/2011 Órgão
Julgador: Segunda Turma. (grifou-se)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO.
SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS
NA ÁREA DE SAÚDE. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIO.
INCURSIONAMENTO NO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 279 DO STF.
INCIDÊNCIA. 1. A Constituição Federal
autoriza a acumulação remunerada de dois cargos públicos privativos de
profissionais da saúde quando há compatibilidade de horários. Precedente: RE
553.670-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, Dje 1º/10/2010. 2. A acumulação remunerada de cargos
públicos, quando sub judice a controvérsia sobre a compatibilidade de horários,
demanda o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que atrai a
incidência da Súmula 279 desta Corte, a qual dispõe, verbis: “Para simples
reexame de prova não cabe recurso extraordinário”. Precedentes: RE
613.100-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, Dje 26/5/2014, e ARE
773.327-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, Dje 20/11/2013. 3. In casu,
o acórdão extraordinariamente recorrido assentou: “CONSTITUCIONAL E
ADMINISTRATIVO - Cumulação de dois cargos de fonoaudiólogo - Possibilidade -
Incidência do art. 37, inc. XVI, alínea ‘c’, da CF - Incompatibilidade de
horários - Ônus da Administração - Somatório das cargas horárias - Limitação à
sessenta (60) horas semanais - Parecer GQ - 145, da AGU - Inaplicabilidade -
Mandado de segurança - Concessão - 1) À luz do que dispõe o art. 37, inc. XVI,
alínea ‘c’ e § 2º, da Constituição da República, provada a compatibilidade de
horários é possível a cumulação remunerada de dois cargos privativos de
profissionais de saúde (fonoaudiólogo), ainda que um deles seja desempenhado na
rede Estadual de Ensino - 2) Incumbe à Administração Pública o ônus de provar a
incompatibilidade de horários, não sendo suficiente a simples menção ao
montante das cargas horárias - 3) Segundo consolidado entendimento dos
Tribunais Superiores, o Parecer GQ-145 da Advocacia Geral da União, que limita
a carga horária dos servidores públicos federais a sessenta (60) horas semanais
não tem força normativa e, por isso, não obsta a cumulação remunerada de
cargos, quando presentes os requisitos autorizadores - 4) Segurança concedida”.
4. Agravo regimental DESPROVIDO. (STF - ARE: 823904 AP , Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 30/09/2014, Primeira
Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-203 DIVULG 16-10-2014 PUBLIC
17-10-2014) (grifou-se)
Ainda,
faz-se necessário introduzir o entendimento do TCU. De acordo com os julgamentos recentes deste tribunal, principalmente a
partir de 2013, percebe-se que o entendimento da Corte também se modificou,
deixando de apoiar o parecer da AGU para confirmar o entendimento do Poder
Judiciário, permitindo o registro de admissões com carga horária semanal
superior a 60 horas de cargos acumuláveis, desde
que comprovado, no caso concreto, o requisito de compatibilidade de
horários, tal como citado no Acórdão TCU
nº 1176/2014. Veja-se:
8. O entendimento
desta Corte de Contas relativamente ao limite máximo de jornada de trabalho
semanal dos servidores que exercem dois cargos, na forma da Constituição, de
fato sofreu modificação. Atualmente,
considera-se viável a acumulação acima de 60 (sessenta) horas semanais, desde
que comprovada a compatibilidade de horários, em cada caso. Cito como
precedentes as seguintes deliberações: Acórdão nº 1.008/2013-TCU-Plenário:
PESSOAL. RELATÓRIO DE AUDITORIA. ACUMULAÇÃO DE CARGOS E JORNADA DE TRABALHO.
EXAME DA REGULARIDADE DA ACUMULAÇÃO DE CARGOS, EMPREGOS OU FUNÇÕES PÚBLICAS. É
possível o reconhecimento da licitude da acumulação com jornada de trabalho
total superior a sessenta horas semanais, desde que devidamente comprovadas a
compatibilidade de horários e a ausência de prejuízo às atividades exercidas em
cada um dos cargos acumulados.
Acórdão nº
3.294/2006-TCU-2ª Câmara PESSOAL. ADMISSÃO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS.
INCOMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. ILEGALIDADE. A compatibilidade de horários, para
os cargos acumuláveis na atividade, deve ser aferida caso a caso, pois a
Constituição Federal não alude expressamente à duração máxima da jornada de
trabalho. 9. Nessa linha, destaque para a manifestação do Ministro do STF
Ricardo Lewandowski, nos autos do Agravo de Instrumento nº 833.057/RJ:
"Por outro lado, no tocante ao requisito da compatibilidade de horários,
vê-se que a norma constitucional não estabelece qualquer limitação quanto à
carga horária a ser cumprida, vedando, na realidade, a superposição de horários.
Precedentes do STF e STJ. Assim, o que se extrai é que a incompatibilidade de
horários não é aferida pela carga horária e, sim, pelo exercício integral das
funções inerentes a cada cargo, de modo que o exercício de um cargo não impeça
o de outro. (grifou-se)
Conforme demonstrado,
nossos tribunais além de afastarem a limitação de 60 horas para acumulação de
cargos defendia pelo parecer da AGU, já aceitam inclusive, uma jornada de
trabalho de 80 horas, carga horária bem superior à que é desempenhada pela parte
autora.
A superação da jornada
máxima de 60 (sessenta) horas semanais, portanto, não constitui óbice à
acumulação de cargos e empregos públicos, estando esta condicionada unicamente
à compatibilidade de horários, situação que deve ser aferida concretamente
através da análise de suas escalas de trabalho nos dois vínculos.
Por todo
o exposto, necessária a suspensão da aplicação do Parecer nº GQ-145 da AGU no
âmbito da EBSERH, e a consequente extinção da exigência de apresentação de documento
comprobatório do desligamento ou mudança de jornada de trabalho por parte da
autora para que seu vínculo com esta empresa seja mantido.
DA COMPROVAÇÃO DO REQUISITO
CONSTITUCIONAL DA COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS
Consoante se depreende da
Constituição Federal, a situação da acumulação de cargos e empregos públicos,
nos casos autorizados na regra inscrita
no art. 37, XVI, é condicionada unicamente à comprovação do requisito da
compatibilidade de horários.
Nesse sentido, sendo a
parte peticionante ocupante de dois cargos/empregos públicos privativos de
profissionais da saúde (alínea c) para a configuração da regularidade de seus
vínculos com a Administração Pública, basta que se comprove que os cargos
ocupados possuem compatibilidade de horário.
Assim sendo, segue em
anexo junto da presente manifestação, as escalas de trabalho de ambos os
vínculos ocupados, instrumentos hábeis a demonstrar o cumprimento do requisito
constitucional.
DA AFERIÇÃO CONCRETA DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA
– DAS AVALIAÇÕES INDIVIDUAIS DE DESEMPENHO
A
despeito do caráter de transcendente que possuem os princípios definidos na
Constituição de 1988, é possível que se determine, diante do caso concreto,
qual a opção interpretativa mais adequada à concretização destes. Diz-se mais.
Diante
da percepção de que os princípios constitucionais são irradiadores de
normatividade para todo ordenamento, possuem força deôntica, e não são apenas
diretrizes de integração, isto é, elementos acionados para a supressão de
“lacunas”, deve-se considerar que a concreção
de um princípio pode se dar a partir da aplicação de uma regra de direito,
uma vez que dele tenha absorvido normatividade. Nos dizeres de Lênio Streck, “o
princípio é a enunciação do que está enunciado”.[1] Tal forma
de analisar o direito que se reputa correta para o presente caso.
Em
verdade, os entendimentos isolados que autorizam a limitação objetiva da carga
horária semanal a 60 horas, de forma geral e abstrata a todos os integrantes da
Administração Pública, sob a justificativa de atendimento ao princípio constitucional
da eficiência revelam-se enquanto verdadeiros absurdos hermenêuticos. E
absurdos hermenêuticos infelizmente grassam atualmente no Brasil.
Assim
se diz porque não há a possibilidade do intérprete, a partir da invocação de um
princípio, criar uma nova regra de direito - geral e abstrata, como é a
limitação objetiva do acúmulo de cargos e empregos públicos a 60 (sessenta)
horas semanais – sem que haja respeito aos consensos democraticamente expressos
através da lei e do devido processo legislativo.
Ou seja, como a
regulamentação acerca da acumulação de cargos e empregos públicos não se dá
mediante princípio, mas de regra
inscrita no próprio texto constitucional (art. 37, XVI), o afastamento
ou a limitação de tal regra somente seria possível mediante a criação de outra
regra de igual hierarquia, ou com a declaração de inconstitucionalidade da
regra constitucional.
Se já é questionável a
utilização do Parecer da AGU GQ nº 145/1998 como parâmetro para a análise
daquele caso concreto (haja vista o entendimento sobre a inconstitucionalidade
da limitação às 60 horas semanais), sua utilização como fundamento para toda a
administração pública é desastroso.
Ora, se nem se nem o
Constituinte, nem o legislador o fizeram[2],
não poderia o próprio executivo criar regra por meio de Parecer a esse
respeito. Igualmente merece reparo a jurisprudência pátria que tem dado
sobrevida a tal parecer.
A despeito da relevância
atribuída aos precedentes judiciais na atual quadra histórica, deve-se ter em
conta que a produção de uma ordem jurídica justa reclama forte respeito aos
consensos democraticamente expressos através da Constituição e da Lei, sob pena
da liberdade interpretativa conferida ao judiciário ser justificativa ao
arbítrio, tão indesejado à concreção da justiça.
A inscrição
do requisito constitucional da compatibilidade de horários na regra do art. 37,
XVI, da Constituição Federal, pois, já é uma forma de observância do princípio
da eficiência, previsto no caput¸ do
art. 37 da CF, haja vista que resguarda a regular prestação do serviço público
pelo empregado/servidor.
Todavia,
ainda que o Administrador diante do caso concreto não considere suficiente o
requisito constitucional da compatibilidade de honorários para a aferição do
princípio da eficiência, vê-se que em toda a Administração Federal foram
criados mecanismos institucionais de avaliação individual de desempenho dos
servidores/empregados exatamente para que se resguarde a eficiência da
Administração Pública.
Dito de
outro modo, além de inconstitucional, ilegal e reprovável do ponto de vista
hermenêutica, a limitação objetiva, geral e abstrata da jornada semanal de
trabalho a 60 horas semanais, não é o
modo adequado de se aferir a concreção do princípio da eficiência,
mormente em face das avaliações
individuais de desempenho.
Nesse
sentido, no âmbito da EBSERH tais avaliações têm sido realizadas periódica e
regularmente, nos termos do Anexo III da Norma Operacional nº 04/2015, que
versa sobre as promoções e progressões.
Assim
sendo, também se juntam em anexo as avaliações de desempenho do(a) empregado(a),
com o fito de demonstrar o regular atendimento ao princípio constitucional da
eficiência.
DA NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA AO DEVIDO
PROCESSO LEGAL E AO CONTRADITÓRIO NO PROCESSAMENTO ADMINISTRATIVO – DA
APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI Nº 8.112/90
Por fim, imperioso
consignar que o presente processo administrativo deve observar no seu curso os
imperativos constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da
ampla defesa.
*defendido pela EBSERH, de modo a tornar
ainda mais evidente a inconstitucionalidade/inconstitucionalidade da pretensão
de limitar a acumulação a 60 horas semanais.
Assim, reprovável a
conduta desta empresa de notificar o(a) funcionário(a) para que comparecesse ao
setor munido de documentos que, no entender desta empresa, seriam bastantes à
regularização de sua situação de acúmulo, tais como a declaração de
desligamento de seu segundo vínculo, sem antes lhe oportunizar a
apresentação de esclarecimentos a respeito da suposta irregularidade detectada.
Cita-se, nesse sentido,
como analogia o procedimento previsto na Lei nº 8.112/90 para o processamento
administrativo dos casos de irregularidade no acúmulo de cargos/empregos
públicos.
Naquele procedimento, o
servidor é inicialmente notificado no prazo de 10 (dez) dias para optar por um
dos vínculos, oportunidade em que, não concordando com a situação de
irregularidade apontada pela Administração, apresenta suas razões que podem ser
ou não acatadas pelo órgão Estatal.
Não acatadas as suas
razões, instaura-se um processo administrativo disciplinar pelo rito sumário,
sendo-lhe fornecido prazo de 5 (cinco) dias para a apresentação de defesa,
podendo, ademais, até o término desse prazo, optar pela permanência em um dos
cargos públicos acumulados. Veja-se, nesse sentido:
Art. 133. Detectada a qualquer tempo a acumulação
ilegal de cargos, empregos ou funções públicas, a autoridade a que se refere o
art. 143 notificará o servidor, por intermédio de sua chefia imediata, para
apresentar opção no prazo improrrogável de dez dias, contados da data da
ciência e, na hipótese de omissão, adotará procedimento sumário para a sua
apuração e regularização imediata, cujo processo administrativo disciplinar se
desenvolverá nas seguintes fases: I - instauração, com a publicação do ato que
constituir a comissão, a ser composta por dois servidores estáveis, e
simultaneamente indicar a autoria e a materialidade da transgressão objeto da
apuração; II - instrução sumária, que compreende indiciação, defesa e
relatório; III – julgamento. (...)
.
§2º A comissão
lavrará, até três dias após a publicação do ato que a constituiu, termo de
indiciação em que serão transcritas as informações de que trata o parágrafo
anterior, bem como promoverá a citação
pessoal do servidor indiciado, ou por intermédio de sua chefia imediata, para,
no prazo de cinco dias, apresentar defesa escrita, assegurando-se-lhe vista do
processo na repartição, observado o disposto nos arts. 163 e 164.
(...)
§ 5º A opção pelo servidor até o último dia de prazo
para defesa configurará sua boa-fé, hipótese em que se converterá
automaticamente em pedido de exoneração do outro cargo. (...)
Tal procedimento, pois,
oportuniza que o servidor não seja surpreendido com uma decisão a respeito de
seu desligamento da administração, mas estando de boa-fé, apresente
inicialmente uma defesa antes da própria instauração do procedimento
administrativo disciplinar e, no curso do PAD, possa optar por um dos cargos.
Por certo que a Lei nº 8.112/90
não goza de aplicabilidade direta aos empregados públicos, todavia, em respeito
aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da
ampla defesa – que justamente encontram concreção nessas regras inscritas no
art. 133 da Lei nº 8.112/90 – a jurisprudência pátria consigna sua aplicação
analógica às empresas estatais.
Igualmente, a própria
Controladoria-Geral da União recomendou em seu “Manual de Direito Disciplinar para Empresas Estatais” a aplicação
do procedimento previsto no art. 133 da Lei nº 8.112/90 às empresas estatais na
apuração e julgamento dos casos de acumulação de cargos/empregos públicos.
Veja-se, in verbis[3]:
Do extraído das
decisões judiciais acima, é possível ainda verificar a aceitação da
jurisprudência em aplicar o rito específico previsto pela Lei n° 8.112/90, ainda que o acúmulo seja praticado por
empregado público. Nessa toada, a Lei n° 8.112/90 será aplicável quando um
dos vínculos ilegalmente acumulados for de cargo público regido por tal lei.
Desse modo, recomenda-se que, na hipótese da empresa estatal detectar o acúmulo
ilegal de seu empregado com um cargo público, seja dada notícia ao órgão
público ao qual se vincula para que naquela entidade de Direito Público seja
instaurado o procedimento específico previsto pela Lei n° 8.112/90, uma vez que
se entende ser uma garantia assegurada em lei a tal agente. Todavia, no caso de
o acúmulo ocorrer em dois empregos públicos, caberá a instauração de
procedimento disciplinar por qualquer das empresas, sugerindo-se aí a adoção do
rito da Lei n° 8.112/90, por analogia.
Nesse sentido, conclui-se que, detectada a acumulação
ilícita de cargo e emprego público, o empregado público deve ser notificado
para optar por um deles, no prazo de dez dias (art. 133, caput, da Lei nº
8.112/90). Silenciando, deve-se instaurar procedimento disciplinar, a fim de
oportunizar ao empregado o direito à defesa. Nessa hipótese, se até o último
dia do prazo estipulado para apresentar defesa (última oportunidade de defesa
do procedimento) o empregado optar por um dos vínculos, configurar-se-á a
boa-fé, extinguindo-se o procedimento disciplinar e procedendo-se à rescisão ou
exoneração do emprego ou cargo indesejado (art. 133, § 5.º, da Lei nº
8.112/90). (...)
Assim sendo, imperiosa
que esta empresa observe a recomendação da CGU prevista no Manual de Direito
Disciplinar para Empresas Estatais e aplique o rito previsto no art. 133 da Lei
nº 8.112/90 ao presente feito.
DO PEDIDO
Diante
do exposto, requer-se a juntada dos documentos em anexo que comprovam a compatibilidade de horários entre os vínculos que possui o(a)
funcionário(a), bem como o atendimento ao princípio constitucional da
eficiência. Ato contínuo, requer-se que esta empresa
conclua pela licitude na acumulação de cargos/empregos públicos procedida
pelo(a) empregado(a), determinando o arquivamento do presente feito.
Na
remota hipótese de não serem acatadas as razões expostas na presente
manifestação, que seja aplicado o rito previsto no art. 133 da Lei 8.112/90,
com a notificação inicial do(a) funcionário(a) para que, no prazo de 10 (dez)
dias, opte por um dos cargos/empregos ocupados, sob pena de instauração de
processo administrativo disciplinar sob o rito sumário.
A
parte peticionante coloca-se à disposição para prestar ulteriores
esclarecimentos.
Nestes Termos,
Pede Deferimento.
São Luís (MA), de 2017.
______________________________________________________
Empregado(a)
[1] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Uma Exploração hermenêutica da construção do direito. 8. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p.115
[1] Por óbvio, questiona-se também a possibilidade do legislador infraconstitucional estabelecer limitação à regra constitucional do art. 37, XVI. Todavia, o fato é que inexiste qualquer regra no âmbito infraconstitucional no sentido.
[1] BRASIL. Controladoria-Geral da União. Manual de Direito Disciplinar para Empresas Estatais. Brasília, 2015. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/atividade-disciplinar/arquivos/manual_estatais.pdf> Acesso em 26/06/2017. p. 95 e 96.
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