Entrevista com RODRIGO JANOT, depois de deixar o comando da Procuradoria-Geral da República - PGR
1) Por que o senhor não foi à posse
da sua sucessora, Raquel Dodge?
Na minha terra, se
diz o seguinte: a gente não vai à festa sem convite. Quem vai em festa sem
convite é penetra.
2) O senhor não foi convidado?
Para a posse, definitivamente, não fui convidado. A gente tratou como
seriam colocados os termos no convite. A primeira proposta foi com meu nome: “O
procurador-geral da República convida”. Mas o pessoal da transmissão pediu para
sair em nome do Ministério Público da União, por e-mail. Eu é que expedi esse
e-mail. Mas não recebi convite nenhum. Os convites para chefes dos
poderes pediram para que eu fizesse nominalmente. Mandei aos presidentes do
Supremo, da Câmara, do Senado, da República, aí sim, um ofício meu, enquanto
procurador-geral. Meu mandato terminou domingo, dia 17, até lá eu era
procurador-geral. Perguntei se queriam uma transmissão de cargo, mas me
informaram que eu não posso transmitir aquilo que eu não tenho mais. Por isso
que não fui, porque não fui convidado.
3) Não seria
constrangedor sentar à mesa com pessoas que denunciou?
Não sentaria à
mesa. Mas eu estou na minha casa, as pessoas que têm que se sentir
constrangidas, não sou eu. Fiz o meu trabalho. Se tivesse sido convidado, iria,
com certeza. Outro detalhe: também não tinha lugar reservado para mim no
auditório, não. Eu teria que chegar e bater cabeça para achar uma cadeirinha.
4) Por que a rivalidade com Raquel
Dodge chegou a esse ponto?
Não sei. Nunca
houve uma rivalidade a esse nível, claro que não.
5) Substituições de equipe podem
comprometer o trabalho em andamento na Lava-Jato?
Em tese, todos
estão preparados para esse tipo de trabalho. É claro que as pessoas têm que
trabalhar com quem têm afinidade. Isso é normal. Eu me espantei porque havia
ofício formal, com convite para que toda a equipe da Lava-Jato continuasse.
Existia um ato formal dela. Houve uma conversa com o pessoal da equipe, em que
ela disse novamente que todos estavam convidados. Depois, ela começou a
desconvidar.
6) O que houve?
Não sei. No sábado,
fiz uma feijoada para a despedida da minha turma. A turma dela ligou para dois
colegas meus, o Fernando (Alencar) e o Rodrigo Telles, desconvidando-os. Com
relação ao Rodrigo Telles (que auxiliou Janot na investigação contra Agripino
Maia), o que disseram é que havia muita resistência ao nome dele, não disseram
de quem, e sobre o Fernando, disseram que ele ultrapassava o percentual que o
Conselho (Superior do Ministério Público) estabeleceu para o recrutamento de
pessoas. Esses foram desconvidados no sábado.
7) Fora do MP, o senhor foi muito
questionado, sobretudo por causa do processo relacionado à JBS. Saiu de uma
posição de herói e, de uma hora para outra, passou a ser apontado como vilão...
Existem estratégias
de defesa. Quando o fato é chapado, quando o fato é mala voando, são R$ 51
milhões dentro de apartamento, gente carregando mala de dinheiro na rua de São
Paulo, gravação dizendo “tem que manter isso, viu?”, há uma dificuldade natural
para elaborar defesa técnica nesses questionamentos jurídicos. E uma das
estratégias de defesa é tentar desconstruir a figura do acusador. É assim que
eu vejo. De repente, passo a ser o vilão da história, o dito vilão da história,
porque há necessidade de desconstituir a figura do acusador. O que fizeram
comigo vão fazer com outros. Tenha certeza absoluta.
8) Mas o senhor enfrenta críticas de
acusados desde o início. O senador Collor, por exemplo, já soltou impropérios
contra o senhor...
Mas numa proporção
muito menor… Ele só xingou minha mãe várias vezes (risos). Mas agora cheguei ao
poder real. No núcleo de poder, no centro dessa Orcrim (organização criminosa),
e a reação é essa mesmo. Eu já imaginava que isso aconteceria, mas não
imaginava que seria nessa proporção. Não imaginava como viria o coice. A
orquestração é visível.
9) Ao se despedir, na sexta-feira, o
senhor falou em sofrimento…
É um desgaste
danado, você catalisar tudo sozinho… Eu tinha que manter a equipe funcionando
até 17 de setembro. Foi tudo muito intenso. Investigações importantes foram
chegando maduras nas duas ou três últimas semanas do meu trabalho. Essas
investigações dependiam de atos de terceiros também. Para a denúncia da
organização criminosa do PMDB da Câmara, tive que aguardar a conclusão do
inquérito. O delegado só relatou o inquérito na segunda-feira, um excelente
relatório, de mais de 400 páginas, que mostra um retrato da atuação dessa
organização criminosa. De um lado, eu tinha que manter a equipe funcionando e
tirando deles a pressão para que trabalhassem com eficácia e eficiência. Eu
tinha que absorver tudo isso sozinho, não é para criança, não. Não é brinquedo,
não. Só pancada. Não é para amador.
10) Na delação de Joesley, houve
questionamentos com relação ao fato de ele revelar crimes tão graves e ir
embora de avião particular para os EUA. Como lidou com a revolta que isso
suscitou?
Eu tinha uma
escolha de Sofia. Ele chega, nos traz uma demonstração, que foi um pequeno take
do áudio, que revelava crimes em curso praticados pelo alto escalão da
República. O presidente da República, um senador importante que teve 50 milhões
de votos na eleição anterior, um deputado federal, a prova fazia menção a um
colega meu infiltrado. Eram crimes gravíssimos e em curso. Tomo conhecimento
disso, vejo que tem indicativo de prova. Eles disseram: “A gente negocia
qualquer outra coisa, menos a imunidade”. A minha escolha de Sofia era: se eu
não pego o material que eles tinham, eu não poderia investigar, eu teria que
ficar quieto vendo esses crimes acontecerem ou então eu tinha que negociar a imunidade.
11) O fato de Joesley ir para a
cadeia é de certa forma um alívio para o MP depois de tantas críticas?
Ele foi mais
esperto que ele mesmo. A esperteza capturou ele próprio. A gente tem que deixar
muito claro: a colaboração premiada é um instituto novo para a gente, já
aprendemos muito. Quando a gente faz um acordo desse, é de natureza penal, a
gente está negociando com bandido, bandi-dê-ó-dó. O cara, porque é colaborador
da Justiça, não deixa de ser bandido. As coisas têm que ser muito claras. A mesa
de negociação é um lugar muito duro, um ringue mesmo. O colaborador tem que vir
de coração aberto, tem que vir para o lado do Estado. Tem que falar tudo. Quem
faz juízo sobre a prática ou não de delito é o MP, não o colaborador, ele tem
que entregar tudo. A gente tem muito anexo que não tem nada de palpável, mas a
gente recebe e analisa. O juízo nós que fazemos. E o que eles fizeram? Eles
esconderam fatos. Trouxeram “A” mas não nos trouxeram “B”. Porque não trouxeram
“B”, está contaminado todo o acordo. Só que o fato de ele não trazer o “B” não
influencia nem tangencia o “A”. Não contamina. A rescisão me permite continuar
usando a prova. Mas dá um gosto amargo, o sujeito não pulou o lado, continuou
ao lado da bandidagem.
12) E as denúncias envolvendo o
ex-procurador Marcelo Miller? O fato de ele ter negociado com o grupo JBS
quando ainda fazia parte da equipe da PGR compromete a validade das provas?
Existe uma
investigação em curso, mas, se ele fez isso, foi sem o nosso conhecimento. E se
fez sem o nosso conhecimento, ele não pode contaminar um ato que é nosso. Se
ele fez, não está comprovado ainda, vai ter que responder por isso.
13) O fato de ele ter abdicado de uma
carreira como ao MP não despertou dúvidas na sua equipe?
No último um ano e
meio, cinco colegas saíram.
14) É o salário?
É dinheiro. Também
é muita responsabilidade, muita restrição. O fato de ele ter saído não suscita
nenhuma suspeita. O Marcelo trabalhou forte na colaboração da Odebrecht. Ele já
tinha voltado para o Rio de Janeiro havia um ano e continuou na força-tarefa
como colaborador, eventualmente era chamado a fazer alguma colaboração aqui.
Mas não estava no núcleo.
15) O senhor se sente traído?
Eu quero ver a
conclusão da investigação para fazer algum juízo. O caso do Ângelo (Goulart)
está investigado, ali eu me senti traído, com certeza.
16) O procurador Ângelo Goulart
criticou sua forma de atuação, disse que o senhor agia rapidamente para chegar
ao presidente Temer…
É engraçado isso,
ele não trabalhou comigo. O Ângelo trabalhava no eleitoral, nem no mesmo prédio
ficávamos. Quando foi chegando ao fim do mandato, como tinha interesse de
permanecer em Brasília, ele perguntou se poderia ser designado para a
força-tarefa da Greenfield, da PRDF.
17) É verdade que o senhor vomitou
quatro vezes ao tomar conhecimento desses fatos relacionados ao procurador
Ângelo Goulart?
Sim. É muito triste isso de prender um colega. Tem um crime militar que
a gente chama de perfídia. Perfídia é o sujeito que é do teu grupo e que vende
esse grupo para o inimigo. Ele passa a ajudar o inimigo a te dar tiro. Esse é o
sentimento que deu na gente. A situação é muito ruim, sentir que contaminou.
18) O procurador
Ângelo alega que atuou para tentar encabeçar as tratativas da eventual delação.
Ele agiu motivado por dinheiro?
Essa linha de
defesa ele já adotou no processo administrativo disciplinar aqui dentro. Ele
tentou se passar por herói. Como se ele tivesse se oferecido a eles para poder
derrubá-los. Como se fosse o mocinho, o super-homem. Mas como faz um trabalho
desses de atuação infiltrada sem falar com os russos? Ele faz isso sem falar
com os colegas, com ninguém? Não falou com o Anselmo (Lopes, coordenador da
Operação Greenfield). Agora vamos ver os fatos. Houve uma reunião em que o
Anselmo fez um desenho à mão da estratégia da investigação. Esse papel foi
aparecer com um advogado da JBS. A troco do quê? Ele foi pilhado numa ação
controlada em que conversa com desenvoltura. Depois, ele tem gravada a conversa
com o advogado. Tudo isso ele bolou sem avisar ninguém? É fantasioso. E acertou
dinheiro, sim, R$ 50 mil por mês.
19) Há provas de que ele recebeu
dinheiro?
Tem relato do
Francisco (de Assis, advogado), tem advogado acertando, dizendo que tinha
dinheiro, tem o croquis do planejamento, tem gravação, visitas. A expressão que
a gente usa é “batom em certo lugar”.
20) Ainda citando o que ele diz, o
senhor se referia a sua sucessora como a bruxa?
Não. É aquela
coisa, como se faz para desconstruir o acusador.
21) Essa campanha que o senhor
menciona para tentar atacar o acusador como foi?
O nível é muito
baixo, chegaram à minha família, à minha filha.
22) Saindo do cargo, acredita que vai
diminuir?
Pelo contrário. A
notícia que tive é: vai aumentar. A pressão para cima de mim só vai aumentar.
23) Teme que a CPI da JBS vire
instrumento de vingança?
A CPI não é da JBS.
O relator já afirmou que o escopo da CPI é investigar os investigadores. O
escopo da CPI não são os empréstimos da JBS no BNDES. Ninguém falou sobre isso.
Estão falando em convidar também o Ângelo, o Eugênio Aragão.
24) Em um texto divulgado na
internet, o procurador Aragão defendeu Ângelo, e disse que ele apenas atuava
com métodos heterodoxos para conseguir acordos de colaboração...
Sabe por quê? Quem
trouxe o Ângelo para atuar no eleitoral foi o Dr. Eugênio Aragão.
25) Como vai se proteger desses
ataques que o senhor já prevê?
Primeiro, quero
descansar, vou tirar 20 dias, viajar. Depois, vou ver as estratégias. A
imprensa tem que ser muito atuante agora. Essa CPI não pode ser a CPI dos investigadores.
Essa CPI tem que seguir o escopo dela. Não é a CPI dos empréstimos do BNDES? E
querem investigar quem? Eu? Eu não participei de empréstimo nenhum da JBS. O
acordo da JBS foi judicial. Foi homologado pelo Supremo e foi reafirmado pelo
Supremo. Como o Congresso pode querer desconstituir isso?
26) Vão tentar usar o Miller contra o
senhor na CPI?
Vão tentar usar
todo mundo e tudo contra mim… Tudo é possível, vão tentar desconstituir a
figura do investigador. Não levei dinheiro do Miller nem autorizei ninguém a
receber mala de dinheiro em meu nome. Nem tenho amigo com R$ 51 milhões em
apartamento.
27) Acredita que a população vai
aceitar uma atuação como essa da CPI?
O brasileiro é
honesto. Espero que a cidadania seja ativa para enxergar esse tipo de manobra.
Outra estratégia também é usar a imprensa estrangeira, já começaram a falar lá
fora, e a falar forte. Quando começaram as alterações no grupo de trabalho da
Lava-Jato, saiu uma notinha com a chamada "It begins" (“Foi dada a
largada”, em tradução livre). O título diz tudo.
28) O que achou do
fato de Dodge não ter citado nenhuma vez a Lava-Jato no discurso de posse? Foi
pelo fato de a operação ter se tornado a marca do senhor?
A Lava-Jato não
pertence ao MP, pertence à sociedade, ao mundo. Não é uma marca minha. Eu dei
as condições necessárias para que outros colegas pudessem trabalhar, em
Curitiba, no Rio, em São Paulo. A Lava-Jato não pertence mais ao Ministério
Público. É um patrimônio da sociedade brasileira. Ela corre o mundo.
29) A Lava-Jato corre risco real?
Está cedo para
avaliar. É preciso aguardar para ver como a coisa evolui. Se houver risco, não
acredito que isso contamine nem Curitiba, nem Rio, nem São Paulo, que já têm
investigações com pernas próprias.
30) O senhor foi flagrado conversando
com o advogado Pierpaolo Bottini, que representa Joesley, em um bar. Não foi um
encontro impróprio, dadas as circunstâncias?
Não era um bar, era
uma distribuidora de bebidas. Vou àquele lugar todo sábado. Chego ali, tomo uma
cerveja e vou embora para casa. Conheço todo mundo, conheço o dono, o César,
desde a época em que ele vendia minhocas, conheço todos os frequentadores. A
gente conversa, passa ali meia hora, uma hora. Abriu uma feijoada ali do lado
aos sábados que é ótima.
31) Disseram até que essa reunião era
comparável ao encontro de Joesley com Temer no Palácio…
Meio dia, em um
lugar público, frequentado por um zilhão de pessoas? A conversa não durou 10
minutos, não falamos de trabalho, de nada disso. Falamos de cerveja. Aconselho
passearem por lá, tem tudo quanto é cerveja artesanal.
32) O advogado Willer Tomaz, também
denunciado, recebia em sua casa figuras importantes, inclusive o
procurador-geral de Justiça do DF, Leonardo Bessa. Causa suspeição?
Relacionamento da
gente com advogado é uma coisa normal. Dos meus amigos que fiz em Brasília
quando cheguei há 33 anos, a maioria é advogado. Todo mundo se conhece. E
advogado de bandido não é bandido, a gente tem que ter esse relacionamento.
33) O senhor teve embates duros também
com o ministro Gilmar Mendes. O STF vai enfrentar o tema da suspeição do
ministro?
Vão ter que
enfrentar, claro. Quando alguém argui suspeição, esse é um termo técnico
normal. A arguição de suspeição é para garantia da atividade da magistratura e
dos jurisdicionados. O magistrado tem que ser isento. Eles vão enfrentar, sim.
O resultado, não sei.
34) Fazendo uma comparação com a
Operação Mãos Limpas, na Itália, o senhor teme pela sua vida?
Temer, não!
(risos).
35) Acredita que o MP estará com o
senhor?
Acho que sim, não
só o federal, o Ministério Público do Brasil inteiro. O Ministério Público
brasileiro hoje está em outro patamar.
36) Durante sua gestão, onde errou?
Com certeza, erros
aconteceram, mas não consigo fazer esse juízo agora. Preciso de um afastamento
para poder enxergar.
37) A Lava-Jato é uma sucessão de
delações. Como isso começou?
Tem um momento para
mim que foi um divisor de águas. O que deu impulso danado nas colaborações foi
a decisão do STF, que disse: condenou em segundo grau, vai para a cadeia. Os
caras começaram a fazer conta. A estratégia era empurrar, agora não tem mais
jeito. Esse foi, na minha leitura, um dos pontos que gerou essa mudança.
Grandes delações também chamaram todas as outras.
38) O Supremo vai rever alguma delas?
Não acredito que o
STF vai recuar. Seria um prejuízo enorme.
39) A delação do Delcídio, com a
prisão de um senador no exercício do mandato, foi decisiva?
Sim. Divisor de
águas foi a colaboração do senador. Ele gravou, os fatos eram gravíssimos, e
era um senador, líder do governo. Quando fiz o pedido de prisão, sabia que
tinha cruzado o rubicão e que tinha queimado a única ponte atrás da tropa, que
não tinha mais recuo. Era só para a frente. Foi um momento de muita tensão, era
uma novidade e eu não sabia o que aconteceria.
40) Com a morte de Teori, temeu pelo
fim das investigações?
Temi, sim. Eu sou
agnóstico, eu creio muito pouco. Com a morte dele, eu passei a crer ainda
menos. Eu dizia: não é possível.
41) Suspeitou de assassinato?
No começo, claro.
Mas a investigação foi feita por nós, pelo MPF, em Angra dos Reis, e estamos
seguros de que foi acidente mesmo.
42) Foi o momento mais difícil?
Esse foi um dos
mais difíceis, com certeza, foi devastador para todo mundo. Ele era muito
firme. Ainda bem que o ministro Fachin também é.
43) Como avalia a atuação de Moro?
A gente está no
meio de um lamaçal, no meio de bandidos, cheiro de podre para todo lado, só tem
uma maneira de não se contaminar, a gente tem que ser reto. O Moro é duro, eu
fui duro, e tem que ser mesmo.
44) O que foi essencial na Lava-Jato?
O grupo de Curitiba
foi muito importante. O juiz foi muito importante. Uma parte que pouca gente
fala, mas que permitiu chegar até agora, o Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, que manteve com firmeza todas as decisões.
45) O Brasil mudou com a Lava-Jato?
Está mudando. Na
minha terra, quando a gente fazia muita traquinagem, apanhava com vara de
marmelo, aquela bem flexível. Aquilo na perna dói para caramba. Nós envergamos
essa vara e temos que ter cuidado para ela não soltar, senão volta batendo em
todo mundo e vai ficar em pé. Estamos nesse ponto de inflexão, a vara foi
dobrada, mas não foi quebrada. E essa vara tem que ser quebrada.
46) Ainda tinha muita flecha?
Sim, tenho ainda
algumas ali (aponta para arco e flecha que recebeu de índios).
47) Mesmo depois do início da
Lava-Jato, muitos atos de corrupção prosseguiram. Gim Argello, por exemplo,
negociava convocações para a CPI da Petrobras…
Com três anos e
meio de Lava-Jato, vimos várias conversas não republicanas, malas para cá,
malas para lá. Mas seria mais grave sem a Lava-Jato. A vara está envergada, mas
não foi quebrada. Tem que ser quebrada.
48) O senhor falou de egoístas e
escroques ousados. Eles estão em todas as instituições?
Sim, até na minha
tem.
49) Como será julgado pela história?
Quero ser julgado
de maneira isenta. Se eu errei, que apontem os erros. Se eu acertei, que
mostrem os acertos. Só isso.
50) Uma das críticas é a forma como o
MP consegue as delações, que os acusados falam só para fugir da cadeia. Um dos
casos levantados é o do ex-ministro Palocci...
Essa história de
que a gente prende para ter colaboração, muita gente falava isso, e a gente só
mostrava a estatística: 85% são com pessoas soltas. A pessoa só tem medo de ser
presa quando comete crime. É crime e castigo, tem até um livrinho com esse
nome. A lei diz que a colaboração tem que ser espontânea, voluntária, se não
for assim, não pode ser homologada. A iniciativa tem que ser do colaborador,
com advogado. Não posso ter conversa escondida com colaborador. A negociação é
dura. Concluído isso, a gente faz o contrato do acordo, o magistrado chama o
colaborador, sem a nossa presença, e pergunta se foi instigado, incentivado,
obrigado, ameaçado. Existe toda essa preocupação para que o colaborador possa
falar. Quando ele fala, não basta imputar algo a alguém, tem que dar o caminho
da prova. Diziam que era coisa de X9, de dedo duro. Ele tem que dizer o crime
que cometeu, o comparsa dele, como participou desse crime e revelar o caminho
da prova. Se imputa falsamente, ele comete crime. E não acabou a colaboração.
Ela é homologada e, no fim do processo, o juiz analisa a eficácia dessa colaboração.
O colaborador tem que ajudar a acusação na obtenção das provas. Se não fizer
isso, ele perde a premiação. Se o colaborador der causa à rescisão, como
acontece agora com Batista e Ricardo Saud, ele perde toda a premiação, responde
pelos crimes que cometeu e toda a prova que ele deu para a acusação é válida. É
uma situação muito delicada a do réu colaborador.
51) Como veio à tona esse novo áudio
de Joesley?
Quando foi feito
esse acordo, contrataram um grupo para fazer levantamentos dentro do grupo
empresarial para identificar as provas para a orientação da colaboração. E, aos
poucos, iriam fazendo os novos anexos e indicação dos fatos criminosos. Pediram
120 dias para fazer isso. No acordo, constaram aqueles anexos que trouxeram no
primeiro momento e, no período de 120 dias, trariam complementos. Um pouco
antes, pediram a prorrogação por mais 60 dias. A gente concordou com a
prorrogação. Com medo de perderem o prazo e ter rescindida a colaboração, eles
empurraram tudo para cá. Vieram muitos anexos e muitos áudios. Para agilizar, a
gente dividiu tudo entre os colegas. No grupo da Lava-Jato, ficou todo mundo
ouvindo os áudios. A Carol (procuradora Ana Carolina Rezende) ficou com um
grupo de áudios. Tinha um anexo que envolvia uma pessoa cujo processo está em
sigilo, o codinome era Piauí, com quatro áudios. O maldito áudio Piauí 3 não
tinha nada a ver com esse anexo. O Piauí 1, 2 e 4 tinham a ver, eram conversas com
determinado senador. A Carol, domingo de manhã, manda mensagem no nosso grupo
dizendo que tinha um áudio jabuti, contrabando, de quatro horas, falando de
Miller, de várias coisas. Viemos para cá, passamos a tarde aqui. Era um jabuti,
um anexo de contrabando colocado sem nenhuma remissão de que não tinha nada a
ver com Piauí. A PF disse que tinha recuperado 7 áudios, que estão sob sigilo,
porque o advogado dos colaboradores disse que boa parte é conversa entre
advogado e cliente. E que a perícia da PF teria recuperado mais 11 áudios.
52) Joesley tinha apagado e a PF
conseguiu resgatar?
Isso. Na leitura
que fizemos, isso não poderia ter sido um equívoco, foi uma casca de banana
mesmo. O ministro Fachin lacrou os 11 áudios, nem nós conhecemos. Eles, com
medo de um dos 11 áudios ser um dos que estão recuperados pela polícia,
colocaram um jabuti. Lá na frente, quando estourasse o negócio, diriam que
entregaram e nós ficamos calados. É óbvio que foi uma armadilha. E como desarma
uma armadilha? Coloca luz sobre ela. Santa Carol! Se ela não fosse tão CDF,
poderia ter passado.
53) Há alguma possibilidade de o
desfecho da segunda denúncia contra Temer ser diferente no Congresso?
Acho que não. Mas a
solução política não me interessa. Tenho que fazer o meu trabalho. A Câmara não
rejeita a denúncia, ela autoriza ou não o processamento.
54) O senhor virou carrasco dos
políticos corruptos?
Cada um tem que
fazer o seu trabalho. O corrupto tem que entender que acabou a era de que nada
acontece com ele. Grandes empresários, o poder econômico e o poder político,
está todo mundo respondendo igualmente, não é mais a justiça dos três
pês.
55) Como vê as acusações de que age
com interesses partidários?
Primeiro eu era petista, indicado pela Dilma. Quando viram o meu radar,
virei perseguidor de político. Não estou criminalizando a política, estou
criminalizando bandido.
56) Como responde a críticos que dizem que o MP sai menor?
56) Como responde a críticos que dizem que o MP sai menor?
O MP sai gigante,
pois é reconhecido fora do Brasil. Aonde você vai, os colegas de fora
reconhecem nossa atividade, na França, na Suíça, nos EUA, todos os ministérios
públicos do Mercosul reconhecem nossa atividade.
57) Depois dos 20 dias de descanso,
como vai refazer a vida?
Tenho projetos que
quero tocar, não quero sair dessa área de combate à corrupção. As pessoas de
fora me pedem para não sair dessa área. Nossa atividade virou paradigma. O
Brasil deu um passo gigantesco no combate à corrupção. Mas isso, para o bloco,
não é suficiente. Se o Brasil continua esse caminho, e acho que vai continuar,
pode começar a exportar corrupção. O bloco tem que caminhar de forma harmônica
e as pessoas pedem que eu seja uma voz no combate à corrupção. Na PGR, vou
atuar na área criminal do STJ.
58) Na eleição de 2018, como garantir
renovação?
A cidadania vem com
força para 2018. Ninguém aguenta mais ser enganado dessa forma. Agora, é
importante também que a política faça a sua parte. Temos que ter reforma
política profunda.
59) Como fazer isso com um Congresso
contaminado?
Vamos imaginar que
os novos políticos de 2018 recebam da cidadania uma cobrança muito forte para
que haja essa mudança. Não podemos ter senador que teve zero votos, um deputado
federal que teve 15 votos, que ninguém sabe quem é.
60) Com a saída de Dilma, a corrupção
ficou mais explícita?
A cada dia que
passa, a gente está jogando mais luz sobre a corrupção. É isso.
FONTE: Correio Braziliense
Preciso falar com o administrador do Blog. Há algum telefone para que eu possa fazê-lo?
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